Três poemas de Sofia Ferrés
Sofia Ferrés é natural do Uruguai e radicada no Brasil. É autora d’O Pequeno Livreto de Haicais (Oficina Tipográfica de SP, 2017), En_vuelta (Ed. Laranja Original, 2018) e Desmatéria (Ed. Macondo, 2019). Foi finalista (em 2019) e ganhadora (em 2020) do Prêmio Literário Glória de Sant’Anna.
Estes poemas são inéditos do seu próximo livro, Mandala.
***
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
(…)
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
[Hilda Hilst]
No limite ensolarado do dia, encontro a casa aos ventos.
Chego, me abraças, e nós dentro de nós.
Onde me encosto a ouvir o mar, a praia em ondas, o teu peito,
a casa aos ventos. Onde toca uma música aguda cortante em frestas.
Como tortura pela mão invisível do que falta.
Se eu pudesse eu refazia o Tempo. Que nasce já morrendo,
e volta sempre nessas horas empilhadas.
Quero sair da cidade, perdê-la. Fazer conchas com as mãos,
falar para dentro delas. Sentir o alento morno da reza
e indagar como as coisas chegaram a este ponto.
Encosta-me ao mar, à praia em ondas, teu peito.
Neste lugar onde os pássaros sobem como profecia.
Perdem-se de vista numa linha.
Onde as coisas tornam-se limpas, numa graça aritmética.
Onde mesmo as imagens de costas olham para o mar.
A espera é áspera. Não se pensa em nada.
A alegria da tua chegada é de uma luz muito azul.
*
Hay que ir demoliendo,
poco a poco, la sombra
que vemos. Que nos dieron.
Que nos dijeron: «eres».
Hay que apretar las sienes
entre los dedos. Hay
que asentir a ese punto
—comienzo, duda o hueco—
que yace dentro.
Y es preciso
que en una noche todo arda
—el «eres», el «seremos»—
[Julia Ucena]
Descobrimos os quartos, depois os escutamos.
Observamos a superfície e a cobrimos.
Embalamos e desembalamos o trazido do passado,
misturando móveis, mantendo-os fixos.
Lentamente, retiro as capas, a pele,
e substituo o ontem por hoje, outro lar por este.
Passo o dedo suavemente por cada grão de luz
que nasce. Em tudo meu olhar é vigilante.
O que nos foi dado e o que foi por nós conseguido.
Sonhei tanto com isto que vou perdendo a realidade.
Uma espécie de atração concentra todas as imagens
em torno desta casa, e a lembrança de todas as casas
que já me abrigaram, e a essência de todos os lugares
que já desejei morar.
É nesse ímã imagético onde reside a justificativa
de ver este lar como minha máxima identidade.
*
Vens a mim
pequeno como um deus,
frágil como a terra,
morto como o amor,
falso como a luz,
e eu recebo-te
para a invenção da minha grandeza,
para o rodeio da minha esperança
e pálpebras de astros nus.
Nasceste agora mesmo. Vem comigo.
[Jorge de Sena]
Queria agarrar o Tempo.
Talvez também ele sinta-se só e suplique.
Mas adianto-me, todos os dias o nego.
Faço morada no local habitado mais à frente.
E há o passado, varrendo os pensamentos,
convivendo comigo com horas de lembrar.
O fim disto é o silêncio, o hálito natural do Tempo.
Está cansado de estender-se.
Nunca acaba ou chega a ser.
Há de aniquilar-nos por orgulho.
Secará um tanque cheio,
se esconderá num corpo bonito.
No filho dos filhos, duplicando-se,
com a ironia dos verbos no futuro.
Nas coisas olhadas por um longo tempo,
quando perdem todo o sentido.
Luciana de assunção
Apaixonantes!
pRAZER EM CONHECER SEUS ESCRITOS, SOFIA1
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