Três poemas de Yanuva León, com curadoria e tradução de Gladys Mendía
Yanuva León, escritora, editora e revisora literária. Graduada em Letras pela Universidade Central da Venezuela. Autora das coleções de poemas Como dizer cântaro (2014), Desviada para sempre (2019) e Colégio de moças (2023): os dois primeiros publicados pela editora Senzala (Venezuela) e o mais recente pela Editora Dogma (México). No campo da literatura infantil, é autora de seis livros também editados no México e de uma saga de doze na Turquia.
Os poemas abaixo integram o livro Colégio de moças.
***
Vaidosas de Fibonacci
Missa e Anatomia coincidem
meninas de joelhos
boquejam virginais
recebem dedos e hóstias
um corpo em quarenta valvas
a alma
maciez da concha
é torção
frescas e puras cantam
moças em mesas de dissecação
abrem ratos
cirurgicamente
do esófago ao intestino
rubi sobre alvo
pequeno coração que rumina
por que te obstinas?
deixa de mugir
depois voleibol
órfãs de cinco repúblicas
órfãs de cinco séculos
órfãs de cinco leites
órfãs da ordem constitucional
saltam como grãos de milho
estouram hormonais
religiosas
acadêmicas
econômicas explodem
isquiotibiais bíceps glúteos
estouram biológicas
plop plop
plop
rompem primícias
pneumáticas
socioletais
a bola de um lado para o outro da rede
as meninas lutando pelo ponto
como disputar o mesmo amor
como lutar na lama por um beijo
apaixonadas pelo beijo filosofal
parirão
meninas
multiplicarão o sentido deste assunto
o punctum do enigma monumental
beneficiadas
enfiadas
cada uma em seu gancho próprio
essa ao lado daquela em sucessão
vaidosas de Fibonacci
nesta faixa
dos ceos e tribunos
filhas gastrópodes
lamentadoras do porvir
venoso porvir
turgente
por vir.
*
Estado de exceção
Ainda sou tua cadela?
deste lado não há aviões nem escritórios
brotam alimárias
do salão presidencial
vermes
larvais
babilônicos
a história é um apito
agudo
monótono
algo doente que vagueia
algo morto que renasce
ainda sou tua cadela?
apodrece-me de fé novamente
até depois de cem lustros
não haverá repúblicas
haverá causas
insurreições
amores nômades
em destinos bananeiros
um centauro
esfolado no peitoril
banqueiros comendo ouro
cheirando futuros e porvires
bate-me por dentro
cacareja contra mim
clac
clac
soo a carnes
ladro
ainda sou tua cadela?
um clã de crianças ronda
um clã de crianças cuida do botão
seu suco
seu pólen
a beleza vaginal
sempre haverá flor
ergue-me
empunha-me
firo côncava e convexa
mordo
cheiro a metal de matar.
*
Desejo de ser homem
Se nervudo
fibroso
masculino
se ereto e cobrabelicosa
cabeça acima de bisonte
cabeça abaixo de réptil
se pele equina
com mandíbula fundente
se meus tendões
num terreno varonil
como dizer Atenas
como dizer Tenochtitlán
descarregando sobre um corpo
suor
saliva
lágrima do céu e da terra
do magma
da metade de um próton
seria tudo
astro colonizado
astro selvagem
sequência de códigos genéticos
seria nada
cifra
seria a caixa
gato vivo
cadáver
observador
seria uma mão tirando plasma
sangue branco
divino jato de tronco ereto
nascido de cavidade molhada
esvaziando-me
buscando com o que voltar a encher-me
tigela vazia que se enche
saco cósmico que escorre em óvalos
esperma e palavra
certeza e incerteza
atrás do único buraco que não alcança
fugindo do buraco definitivo
pobre homem em cima
homem pobre embaixo
ficando sem mundo
esperando a Lactómeda
abrindo caminho entre escombros
chorando macho
o mais leal
o mais traidor
o mais belo condenado
única deidade
homem violento
homem justo
inteligente
despossuído
escravo multipolar
enroscado com leviatãs
seria O Homem
polpa esquisita
polpa como a vaca
e a sequoia
e a mulher que me iluminou.
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* Gladys Mendía (Venezuela, 1975) é escritora e editora. Tradutora do português para o castelhano, contando entre seus trabalhos de tradução a antologia poética de Roberto Piva intitulada “A catedral da desordem” (2017). Foi bolsista da Fundação Neruda (2003 e 2017) e participou do Workshop de Criação Poética com Raúl Zurita (2006). Publicou em diversas revistas literárias, assim como em antologias, sendo a mais recente “Temporary Archives, Poems by women of Latin America”, ed. Juana Adcock e Jèssica Pujol Duran, ARC Publications, 2022, Reino Unido.
Seus livros são: “O tempo é a ferida que goteja” (2009); “O álcool dos estados intermediários” (2009); “A silenciosa desesperação do sonho” (2010); “A grita. Reescrita de As Moradas, de Teresa de Ávila” (2011); “Inquietantes deslocações do pulso” (2012); “O canto dos manguezais” (2018); “Telemática. Reflexões de uma adicta digital” (2021); “LUCES ALTAS luces de peligro” (2022) e seus mais recentes livros cocriados com Inteligência Artificial: “Fosforescência tigra”, “Aire” e “Memorias de árvores” (2023).
Ela é editora fundadora da Revista de Literatura y Artes LP5.cl e LP5 Editora, desde o ano de 2004. É cofundadora da Furia del Libro (Feira de editoras independentes, Chile). Como editora, desenvolveu mais de vinte e cinco coleções de poesia, narrativa, ensaio e audiovisuais, publicando mais de 500 autores.