Três poemas João Victor Passos
João Victor Passos tem 25 anos e é natural de Ribeirão Pires, no ABC Paulista. Graduando em Letras pela Universidade de São Paulo, é professor, pesquisador de literatura brasileira, e um dos cinco integrantes do coletivo de escrita criativa Hiato, formado em 2020.
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trama
os homens laboram
sob a sombra do demiurgo
que edifica o sentido de todas as coisas
boas & más
a sombra do demiurgo cresce
na medida em que os homens suam
e os fluidos que lhes pingam dos torsos
encharcando as camisas de cambraia
abertas no peito
surradas
se infiltram no solo
sobre a sombra do demiurgo
— a mesma ordem de sempre
no ocaso
quando o demiurgo se põe adormecido
os homens fingem que se retiram
seguindo sua sombra infinita
mas do solo fértil-arado-infértil
donde a sombra do demiurgo
se desprende
brota o sangue frígido e adocicado
do parricídio
*
dito-cujo
o homem sentado à mesa
é uma palavra
é menos que uma palavra
é um silêncio
seu corpanzil
é menos que um corpanzil
bem menos que o corpo franzino do filho
bem menos que os seios enxutos da mãe
que a parca refeição para dois
que a minúscula mesa de copa
que os pratos postos na mesa
(nenhum é reservado para si)
sua presença
é menos que uma presença
e mesmo assim é enorme
preenche o vazio dos pratos
vaza dos copos dos olhos
azia os estômagos fartos
retorna sempre num arroto bilial
:
palavra inaudita
que antecede o não-dito
por isso palavra
termo conceito ideia
nome fermentado no âmago
e interditado
prestes a irromper da boca cheia
do filho da mãe
palavra vulgar
parece-que intrépida
sentada à beira da língua
na intenção de salto iminente mas
covarde
o homem sentado à mesa
quieto e mitológico
monstruosamente mínimo
incômodo
*
ulisses naufragado
as mudas musas
se recusam a cantá-lo
a pronunciar seu nome
a lhe conceder a glória
fama sufocada nas espumas dos séculos
lá onde nem a salvação
nem a desfiada paciência do novelo
alcançam
de repente
a rês preservada
o olho intacto
a gruta vazia
o rapto
de repente
o recipiente cheio
de náusea e incompreensão
os pulsos doloridos
a rija espada branca e luzidia
em direção a outro poente
(que eles apontam para os deuses
ou para si)
as naus partem
e tudo o que resta neste quinhão
são o suor de sol oculto
um punhado de terra na algibeira
e uma imensa vontade de afogar-se
Adélio do tempo
Ser poeta ou querer ser poeta. Dois estágios distintos. Ter expansão vocabularica não é poesia.
José Amaro da Silva
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Movimento slam de poesias.
José Amaro da Silva, escritor, ator e diretor de teatro, artista plástico , presidente da Academia Trimariense de Letras