“Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” (2022) – Por Lucas Arruda
É tempo do prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.! Como todo ano, a premiação, também conhecida como Oscar, supostamente indica e condecora os melhores filmes, atuações e trabalhos técnicos da temporada. Um propósito no qual falha, às vezes de modo ofensivo para os amantes da sétima arte, desde 1929. O que ocasiona decepções e polêmicas, aumentando seus detratores. Oscar, afinal, é honraria da indústria e não reconhecimento artístico. Por outro lado, o troféu tem seus admiradores, que se sentem representados pelas escolhas da Academia e até promovem bolões. Mesmo críticos de cinema têm esse hábito.
Independentemente do amor, da repulsa ou da indiferença, o “The Oscar goes to…” segue cativando e movendo cinéfilos, confirmando o lugar da festa hollywoodiana como a maior cerimônia de premiação de cinema que existe no mundo (cuja audiência diminui ano após ano).
Como amamos cinema (e assumindo as incoerências da vida), convidamos escritores, críticos e estudantes de audiovisual para escreverem sobre alguma das 10 produções indicadas à categoria principal: a de melhor filme.
Lucas Arruda, estudante de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Mato Grosso, revela-nos as suas impressões sobre Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, misto de ficção científica e drama familiar que carrega o status de favorito para a premiação de 12 de março.
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Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo. Direção: Daniel Scheinert e Daniel Kwan. País de Origem: Estados Unidos, 2022.
“Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia.” — Albert Camus
Há, com certeza, mundo afora, uma diversidade de textos que argumentam sobre Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo (2022). Com certeza, há prosas melhores que esta, mais precisas, mais bem detalhadas, concisas, gritando por atenção, menos contraditórias e confusas — e eu me pergunto se faz sentido o texto existir, se a vírgula que ele acrescenta no mundo faz diferença?
Dirigido por Daniel Scheinert e Daniel Kwan (Daniels) o longa estrela Michelle Yeoh no papel de Evelyn Wang; Ke Huy Quan, resgatado para o papel de Waymond Wang; e Stephenie Hsu como Joy e a antagonista principal, Jobu Tupaki. O longa tece, para além de tudo, a diferença dos pequenos gestos em nossas vidas — como Waymond diz: “cada pequena decisão cria um novo universo de possibilidades”.
O tema do multiverso já é amplamente explorado desde quando dois Flashes de revistas em quadrinhos distintas colidiram entre si lá em 1960, desde então tem sido uma questão estrutural da DC Comics e agora o elixir da vida da Marvel nos cinemas. A multiversidade dos multiversos, entretanto, parece estar saturada. E é nesse terreno já conhecido que Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo faz sua singela e grandiosa diferença: essa história revestida de uma refinada camada de ficção científica é, em seu coração, um drama familiar, é sobre a tragédia da depressão, das decisões erradas, mas também da esperança de mudar.
Evelyn coleciona incompletudes, sonhos abandonados pela metade, deixados no caminho de uma vida que foi se amargando com o peso do tempo. Suas relações íntimas estão adoecidas, seu gentil marido — um homem que parece ser carregado pela leveza –– está prestes a desistir dela e ainda assim tenta tatear, alcançá-la, buscar esperança no horizonte, mas Evelyn se fecha. Joy, Jobu Tupaki, foi levada até seu limite — ainda assim ela busca na mãe uma última fagulha de compreensão e recebe um: “você está engordando”.
O espetáculo visual do filme serve para nos ilustrar uma triste poesia, o peso de rimas que nos levam para baixo, que nos acorrentam ao medo. O medo neste filme é figurado de forma interessante. Evelyn ao longo da trama parece carecer desse sentimento necessário e seus receios parecem como distrações cruéis que lhe afastam de si mesma. Em Waymond, o medo aparece no pedido de divórcio, a separação total daquela realidade conjunta. Esse fino papel é usado com tanta sabedoria, o dispositivo move a trama para lá e pra cá, ora como catalisador de uma crise, ora como apaziguador de outra. Waymond carrega essa arma letal como um assombro e tenta fugir, tenta achar esperança em Evelyn, mas ela não tem medo o suficiente para lhe dar essa fagulha. O medo em Joy está em sua rosquinha e nela está o colapso de tudo: todo sofrimento, toda felicidade — o fim de tudo. Jobu Tupaki tenta buscar em Evelyn esperança, esperança de que alguém no mundo a entenda, esperança de alguém lhe estenda a mão mesmo depois que tiver desistido de tudo, mesmo depois de ter mergulhado no buraco mais escuro.
De tal forma que a jornada de Evelyn é, entre outras virtudes, a realização de que há pessoas queridas a sua volta, e que ela tem que valorizar essas preciosas existências antes que partam a deixando só. E como somos estúpidos sozinho. Só quem está prestes a perder tudo, sabe o desespero que é (e é por isso que, com razão, ela finalmente encara seu pai, perguntando-lhe como pode deixá-la ir tão facilmente).
Jobu Tupaki é uma niilista pessimista. Em frente a preposição que a vida não tem sentido, abraçar a não existência é a saída. Evelyn, por outro lado, parece ter um ar camusiano, uma protagonista da filosofia do absurdismo, que ciente de como a vida é fugaz, ridícula e absurda, não se deixa abalar, abraça a falta de sentido, abraça os rochedos que erguemos eternamente morro acima só para vê-lo despencar, só para reerguê-los novamente. E vê que essa vida, diante do absurdo dessas infinitas existências — em que um pai passa o trauma para filha, que então passa para sua uma nova possibilidade –, assim como qualquer outra vida, vale a pena ser vivida — uma indiferença solar que espanta as sombras da dúvida e do medo. A vida é um fenômeno único e cada centelha deve ser preservada, toda vida merece ser vivida e o segredo da vida é que a existência humana é relacional, não isolada, solitária.
Eu poderia apontar aspectos negativos do filme — nenhum filme escapa desse escopo, apenas a tela preta não se torna alvo de críticas, apenas o negrume do nada retém a eterna e imutável perfeição ––, mas eu, nesse mundo em que as sombras da realidade avançam como abutres na espera de um corpo cair na escuridão, prefiro ser gentil.
Há, com certeza, textos melhores mundo afora. E mesmo que essa seja a pior resenha de Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo, isso só significa que ela tem potencial de melhorar, e até lá, nada importa.
“Sísifo contempla então a pedra despencando em alguns instantes até esse mundo inferior de onde ele terá que tornar a subi-la até os picos. E volta a planície”.
Onde assistir: Prime Video
* Lucas Arruda é psicoterapeuta, e o cinema entrou em sua vida desde quando as fitas cacetes tinham que ser rebobinadas para serem devolvidas. Acredita que o cinema é das artes a mais perversa, a mais ilusória, entretanto sabe que toda mentira nasce de uma verdade e busca dentro das ilusões do cinema entender as verdades do mundo. É prolixo e detesta minibiografias.