Um conto de Bea Correa
Bea Correa é uma designer paulista morando em Amsterdã, Holanda.
Estudou direito na Universidade de São Paulo e design gráfico na Gerrit Rietveld Academy. Atualmente está fazendo pós-graduação em escrita criativa na Nespe editorial. Publicou na Revista Ria, Cassandra, Toró Editorial, Jirau de Histórias e em coletânias da Selo Off Flip 2022, Pinturas das palavras e Primavera editorial. Foi finalista do Prêmio Off Flip 2023, categoria conto. Na mindwhatyouwear.com escreve suas reflexões sobre pequenas e grandes questões existenciais em forma de moda. Adora viajar e escrever é um veículo para explorar seu mundo interior, conhecer suas paisagens e seus personagens.
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Cada macaco no seu galho, Bruna
A gente nunca pensa com qual roupa vai morrer, pensa? Talvez o que vai vestir no caixão. A sogra, quer dizer, a ex sogra, já tinha até pregado um post it amarelo no Valentino com o qual queria ser enterrada. Que desperdício, meu Deus, lamentou Bruna, queria tanto herdar o terninho. Precisou sair de casa, espairecer. Dispensou o chofer do Caubói, chamou um táxi. Desceu nos Jardins, ficou zanzando sem rumo. A tarde de primavera estava fria, mas o sol era jovem e acariciava a pele, gente bonita e alegre passava por ela, deixando um rastro de perfume caro.Viu o biquíni na vitrine de uma loja edgy na Alameda Lorena. Era de veludo preto, bordado com pequenos escorpiões de miçangas vermelhas. Achou graça, seu signo astrológico era escorpião. Será que experimentava? Preguiça. Foi no meio da aula de Pilates que aconteceu, o beijo. Tão esperado e proibido. Paola tinha recomendado o personal trainer: Johnny B. Disse que estava revolucionando o corpo das amigas. Reconheceu o amor de infância assim que lhe pôs os olhos. O menino negro que se sentava ao seu lado no culto da igreja presbiteriana. Só tinha ficado mais bonito. João Baptista. Agora se chama Johnny B. Um desejo de ficar a vida inteira dentro daquele beijo. Por que tinha que acontecer de novo? Estava tão bem com o pecuarista.Vamos combinar que o Caubói era meio primata, puxava no erre e gostava de música sertaneja. Mas então, o cara tinha tanto dinheiro quanto ela bom gosto, e era generoso, tratava bem seus filhos. Podia educar o homem, junto com seus meninos. O biquíni se oferecia da vitrine. Não, não era o momento de se apaixonar por ele. De novo. Talvez o único verdadeiro amor que teve. O mais desinteressado. Mas a mãe dela não permitiu: Cada macaco no seu galho, Bruna. No provador certificou minuciosamente, de todos os ângulos, a perfeição do seu corpo no biquíni. Fechou os olhos e antecipou o verão: Saindo do mar azul com ele, caminhando pela areia branca e macia até o abraço de Johnny B. Pagou com o cartão de crédito do Caubói e saiu da loja. Procurou um táxi, carregando a sacola com o biquíni novo, nem lhe passando pela cabeça que dali a seis meses iria morrer vestindo ele, e mais três balas de chumbo no rosto.