Um conto de Kátia Surreal
Kátia Surreal é carioca, vive em Niterói (RJ), nascida numa lua de sangue, sexta-feira, 13 de julho de 1986, Dia Mundial do Rock. Mamãe da gata Bibi, ama a natureza, correr e pular corda. Autora do livro de poesias hot Gradações hiperbólicas e do blog Fugere ad Fictem: https://fugere-fictis-katia-surreal.webnode.com/.
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O homem que fura
Oito horas da manhã e lá vem o homem furar a rua, fazer barulho. A raiva, talvez o susto, levou-a a encará-lo. Abriu a janela e o sol da manhã entrou. O dia estava muito claro e a cara se torceu. O rosto do sujeito também era carrancudo. Aguardava o instante de receber a ordem pra furar o chão. Esperava o momento certo de romper.
Mal começou o trabalho, e o britador já suava. Suor nojento, que incomodava. Vestia uma camisa preta, sem manga, colada ao corpo. As calças, surradas; os sapatos, brutos e pretos. Havia um detalhe de linha amarela na lateral de cada par. O homem chegou pra trabalhar. O homem surgiu pra despertar.
Pronto. Lá veio o rumor. Vontade de gritar mais alto, mas a educação não permitiu. Boas maneiras pra quê? O homem furava a rua. Abria caminhos. Nem sabia o motivo, mas já sentia um incômodo. Não quis mais sair da janela.
O instrumento de trabalho do homem era pesado. Só podia ser manuseado por braços fortes. Era algo perigoso. Tinha de botar ódio no serviço; caso contrário, não furava. Assim, a fera furou com fúria fortes fendas no chão. Fez furos com fereza no fino coração. Pausa. O homem necessitava beber água…
O furador é aquele que fura. O utensílio com que se abrem furos e, furando, se quebra gelos etc. O dicionário revelou isso. E o simples homem do aparelho mecânico rompeu a geleira que havia, abrindo o caminho da rua. Dando espaço à poesia.
Alguns minutos, e lá vinha o homem de novo furar a via. Agora estava mais relaxado. Daqui a pouco ele partia. Antes, resolveu botar todo o ódio que lhe havia: TU-TU-TU-TU-TU!!! E mais TU-TU-RU-TU-TUUU!!!
A britadeira fazia movimentos rotacionais no solo, enquanto o corpo do operário tremia todo, junto ao movimento da máquina. A face, por sua vez, muito se fechava, ao passo que a vala muito se abria.
Pausa de novo. Cansado, já sem fôlego, apesar do muito macho que era. Bebia água toda hora. Precisava recompor a energia perdida. Seu coração estava a mil, ao ritmo da britadeira. Aqui também, mas era diferente… Coitado! Dizem que o furador costuma sofrer de problemas cardíacos com o passar dos anos. Por conta disso, recebe mais do que os outros serventes. Oh, coitado!
De repente, tudo parou. O Smartphone tocou. Sim, o sujeito também tinha um. Hoje em dia todo mundo tem. Um sorriso no rosto do homem se alargou. Devia ser a mulher. Não se sabe. Depois disso, ele tirou a camisa pra enxugar o suor do rosto. Trocou algumas palavras com os companheiros de serviço. Estava aliviado. Já havia cumprido a tarefa. Teve de ir. Ou foi porque quis. Despediu-se e lá se foi, apequenando seu escultural diâmetro no espaço. Sumiu pra sempre! E por aqui, havia muito ainda o fazer ainda. O dia tinha acabado de começar…