Um conto de Meiri Farias
Meiri Farias nasceu e vive em São Paulo. É escritora, jornalista e especialista em Mídia, Informação e Cultura Latino Americana pelo Celacc-ECA-USP. Em setembro de 2023 lança seu primeiro livro de contos, Maldição Madalena, pela editora Patuá. Participou da antologia Rolezinho [Borboleta Azul, 2021] com o conto Na Moldura e é uma das autoras do Mulheres & Quadrinhos [Editora Skript, 2020, Prêmio HQMix em teoria de quadrinhos]. Em 2023, foi finalista do prêmio Off Flip na categoria Poesia, além de participar das coletâneas nas categorias de Conto e Crônica. Como jornalista editou o blog Armazém de Cultura por seis anos e atualmente escreve para a Newsletter Desjejum. Trabalha também com curadoria de conteúdo para plataformas digitais, transitando entre jornalismo e audiovisual, mas sempre voltando para a literatura.
O conto abaixo integra o livro Maldição Madalena, que pode ser adquirido no site da Editora Patuá.
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Meninozinho
Eu não sei de nada não, moço. Não me mete com essas coisas de televisão. Nóis aqui é trabalhadô, ninguém deu cabo do menino não. Eu bem que ouvi umas história estranha, do lado daqueles cientistas que apareceram depois, mas é tudo boataria.
Quando eu cheguei na cidade a terra nem tava tão seca assim. Quanto tempo? Pra lá de trinta anos. Mas já fazia um calor disgramado e num tinha criança nenhuma.
Sabe que aqui quando vem a sede, eu sinto gosto de chão? Num sei bem moço, mas é seco, duro e não alivia. É como se a garganta da gente fosse uma dessas estradonas sem fim que leva pra capital. Com o primeiro gole d’água parece que vem o alívio, mas o alívio num chega. As gota se perde na secura. Essa terra é estranha, moço. Aqui só se envelhece, não nasce nada novo não.
Do Meninozinho não sei. Eu vi sim o dia que ele chegou, assustado que nem bichinho do mato. Foi uma comoção só, todo mundo de zóio bribado, parecia que tavam vendo visage do outro mundo. Mas visage boa, que criança é novidade, é coisa pura.
Os cientistas? Não, isso é conversa do povo. Coisa das fofoqueiras que ficam fazendo hora na bodega, dizendo por aí que o menino era coisa do outro planeta. Coisa de disco voador e que os cientistas queriam é fazer experiência com o bichinho e deram sumiço nele. Mas isso é bobajada do povo, invenção de bebo.
Eu, moço? Eu não acho nada não. Melhor nem falar… Mas foi uma tristeza danada. Meninozinho juntou o povo todo. O bichinho não tinha os falar, mas todo mundo gostava de ficar por perto.
Eu não sei, mas sentia coisa boa no coração. Aqui a gente se alembra o tempo todo das coisa que morre. Ele lembrou a gente que as coisas podem nascer também, sabe.
Sobrenatural? Não, coisa bem da natural, moço. Não bota na tv essas coisas, não, mas eu acho que quem levou Meninozinho foi a terra mesmo. Ele era vida purinha e a terra seca é morte. Num floresce, num deixa crescer. A terra deu, a terra tirou.
Eu me alembro muito dele sim, todo dia. Até sonhei com Meninozinho brincando no rio. Mas não era esses barro seco não, tinha água de verdade. Água limpa. E tava um bocado feliz, o bichinho. Meninozinho não tinha os falar, mas no sonho cantava que era uma beleza, cantava que nem passarinho.