Um poema de Clarisse Lyra
Clarisse Lyra nasceu em Feira de Santana, Bahia, em 1988. É autora de Tanto tempo para aprender a escrever um poema com hortênsias (Edições Jabuticaba, 2022). Selecionou e traduziu alguns poemas de Cecilia Pavón no livro Discoteca selvagem (Edições Jabuticaba, 2019). Investiga a relação entre a mão e o pensamento na escrita de mulheres. Criou com Eduarda Rocha o zine digital Felisberta e é uma das editoras da revista Capivara. Trabalha com tradução, revisão editorial e avaliações educacionais.
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Praça do Relógio
você sabe bem o que quer?
o diário do trancamento
culminou no desligamento
do programa
hoje eu fui fotografada
debaixo de uma árvore
fiz um arranjo de flores
selvagens e
descobri a lua
pela tela do celular
foi tudo um pequeno acidente
um chorinho leve
no consultório da analista
eu estava olhando uma
tela horrorosa
e de repente ela me enterneceu
pensei nos amigos que deitam
naquele mesmo divã
deixam ali também um pouquinho
de lágrimas e riem
de si mesmos
minha irmã hoje
está conhecendo caruaru
e fotografou uma palmeira
da cidade
às vezes eu penso em
tudo o que queria mostrar
para o meu pai
ele se foi
minha avó rosina se foi
agora tia aline se foi
patito se foi e
também guilherme se foi
tio dimas se foi e
tio arturo se foi
fabrício se foi e
antes dele tércio
a análise faz você
querer sempre estar
miserável? ou você
precisa dela
quando está muito mal?
eu não sei
sexta-feira vou ler
uns poemas
os cavalos têm corações
que pesam quatro quilos
e outro dia choveu
polvos e estrelas do mar
numa cidade da china
aqui também choveu
o tempo estava seco
é o que todos dizem
todo dia
se você parar para pensar
as pessoas não sabem
levar uma conversa
é um troço difícil
eu fico olhando os objetos
fissura pelas cores
a indústria do plástico
o que reside no natural?
um pouco de mistério
pensando bem
foi bom você ter me deixado
eu agora sei ficar sozinha
e olha eu gosto muito
também isso se pode aprender
todas as necessidades são criadas
teve um dia que eu te falei
das línguas
e você parecia que só se
apaixonava
eu não podia me apaixonar
mais
eu te amei até me perder
eu me perdi e demorei
para me achar
mas olha eu estou aqui
obrigada por
me deixar
eu não conseguiria sem você
aprender que a dor
é o limite de algo
depois a gente volta
junta os pedaços volta
a existir retoma o gosto
por pequenas coisas
as pequenas coisas
ou as coisas pequenas
são as mais bonitas
nada é tão bonito
quanto esta pequena flor
minúscula
aqui bem aqui na minha
frente
nem fazer sexo com você
é tão bonito
nem dizer eu te amo
para você é tão bonito
nem seu olho apaixonado
é tão bonito
eu fui para você
um experimento
uma peça romântica
exótica dessas de
antiquário
tudo bem
a vida é se deixar usar
eu gosto mais do silêncio
sei viver e sei sonhar
inteligência é a capacidade
de resolver problemas
eu ouvi de alguém um dia
sei colocar prateleiras
fazer pequenos reparos
elétricos
sei reclamar de tudo
e o lugar da palavra
certa
sei usar o dicionário
e tenho uma boa
noção de espaço
a gente não cabia
amor
eu ainda me arrepio
pensando no teu pau
falta pouco para te
esquecer
já consigo te ver
em fotos novas e
antigas
a gente não tem
mais nada a ver
como nunca e
como sempre, aliás
tuas mãos as mais
lindas teu rosto o
mais lindo tua boca
tão linda eu beijei
tuas feridas e tu beijou
as minhas também
Lenival ferreira
É de uma sensibilidade extrema, palavra por palavra se encaixam e fazem brotar sentimentos…