Um poema de Ismar Tirelli Neto
Ismar Tirelli Neto é poeta, ficcionista, tradutor e roteirista. Em 2019, foi semifinalista do Prêmio Jabuti com o livro Os Postais Catastróficos (7Letras). Recentemente, publicou o livro de poemas Alguns dias violentos (Editora Macondo, 2021) e uma tradução de Autobiografia do Vermelho, de Anne Carson (Editora 34, 2021). Atualmente vive em São Paulo, onde ministra oficinas de escrita criativa.
O poema abaixo é inédito.
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A uma plateia
Já eu nunca tive vinte e dois anos. Vocês? Ora, isto
põe-se na iminência de qualquer um.
Palavra na minha boca – peso, densidade –, palavra na sua.
Palavra na sua boca, dizia eu aos vinte e dois anos de idade.
Eu nunca tive vinte e dois anos de idade.
Eu nunca vicei.
Sempre largo uma lata de anos por cada fevereiro.
Muito devemos ao relento.
Digo: estejamos atentos, estejamos atentos, não foi por outro motivo que viemos;
Foi para ver
formar-se
a
falésia.
Isto leva longueur.
Eu nunca tive doze rosas.
Eu nunca tive doze zás.
Eu nunca nem tive dezena.
Nunca mexi num chavão.
Eu nunca soube de uma tia.
Eu nunca soube de uma prima.
Eu nunca afrouxei notícia.
Vocês?
Não verti meus irmãos ao português.
Nunca ciceroneei uma carne passar até ao nome.
Eu sempre ri de legar.
Sempre soube que me faltariam um dia.
Eu nunca soube de uma tia.
Se não minto não cheguei a treplicar.
Nunca.
Sempre agi acessoriamente.
Não moro junto.
Nunca me enganei que toca a vez do poço.
Sempre soube seriam tragados.
Sempre soube seríamos.
Eu nunca vicei.
Nunca.
Vocês?
Eu nunca afaguei ideia.
Eu sempre estouraria na cabeça.
Eu não me governava jamais.
Eu nunca tive presente.
Eu nunca amei os meus materiais.
Sempre preguei por aí o amor aos materiais.
Eu próprio nunca amei os meus materiais.
Eu nunca amei.
Eu nunca fui amado.
O recinto nunca silenciou.
Nem mesmo hoje à noite.
Nem mesmo agora.
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(Fotografia: Renato Parada [detalhe])