Um poema de Marcio Monzilar Corezomaé
Marcio Monzilar Corezomaé é indígena da etnia Balatiponé-Umutina de Barra do Bugres-MT. Reside na aldeia Umutina. É professor da rede pública estadual de ensino e trabalha na Escola Estadual Indígena Julá Paré.
Concluiu seu mestrado em Estudos Literários em 2018, pela Universidade do Estado de Mato Grosso-Unemat, onde defendeu a dissertação intitulada: Mátare Pitukwuá Balatiponé-Umutina: Narrativa mítica e (re) significação entre o povo indígena Balatiponé-Umutina de Barra do Bugres.
Escreve textos poéticos desde a adolescência, no entanto, ainda não teve a oportunidade de publicar seu livro. A maior inspiração para suas criações nasce da sua cultura, o lugar onde vive, a história do seu povo.
Acredita que a literatura é um meio primordial para o diálogo, conhecimento e divulgação do pensamento indígena para a sociedade brasileira bem como a todos os povos do mundo.
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Lições
O meu Corpo:
Minha alma meu Ser,
A qual enfeito
Com os simbolismos do viver.
Minha Casa:
Meu Templo Sagrado
Onde guardo os bons espíritos,
Meus valores que nos protegem e faz fortalecer.
Minha Aldeia:
Meu porto seguro
Onde os velhos plantam sabedoria,
Os adultos mantem a tradição
E as crianças colhem frutos de luz.
Meu Território:
Meu Universo que verso
Em prosas em rimas,
Nele estão as memórias,
As cinzas dos meus ancestrais.
Corpo, Casa, Aldeia, Território…
Espaços ligados a fios de aço
Onde o passado me faz consciente
O presente me torna atuante
O futuro, um sonho de harmonia e paz.
Tais elementos, sob olhar descuidado
Seriam meros constituintes do que
“Eles”, os “outros” chamam de “poder”.
Mas, a mim são componentes que vão além
De palavras sem significado.
Nesta vida somos fios ligados
Coisas visíveis invisíveis
A quem tem grande sensibilidade
Tudo pode ouvir e ver.
Assim, todas as formas de vida são importantes
Da relação entre eles
Tem-se o equilíbrio matéria espírito
Nesta cosmovisão está inscrita
A lei do Bem-Viver.
Porém, no ciclo constante
As relações vão mudando
Agora o que conta é o lucro, o dinheiro
O sagrado perde seu valor
A teia que nos ligava arrebenta, deixa de existir.
Nesse instante é cada um por si
Egoísmo, ganância passam a valer
Passos, olhares ligeiros, ações sorrateiras
Desejo de tudo pilhar e ter.
A irmandade, o respeito agora são palavras vazias
Vazia e solitária também é a alma
E o coração de quem buscou tudo isso.
O lucro não compra tranquilidade nem felicidade.
Mas, um dia inesperado a conta chega
Batendo as portas de todos nós
A dívida é alta, impagável, há que se refletir, pensar.
Nas mudanças ocorridas até aqui.
Principalmente, quanto ao reconhecimento
A todos os bens propiciados:
Ar puro, água cristalina,
Solo fértil, alimento na mesa.
E minha contrapartida onde está?
Até então, a Mãe-Terra acolheu
Todas as nossas necessidades
Mas há sempre limites
Não podemos ultrapassar.
Aos poucos ela vai dando seus sinais
Desertos, chuvas, calor, furacões…
Estações definidas não se vê mais
Pragas devastam lavouras e assustam a população.
Quem sofre é o povo carente
Os ricos em seus palácios de vidros
Festejam o acúmulo, a riqueza
Mesmo sabendo que nenhum recurso é para sempre, infinito.
As relações humanas se deterioram
Há cercas por todos os lados
Muros nas casas, falta de diálogo
Assim todos vão vivendo sem perceber
Que há muito já morreram.
Chegamos ao limite das consequências
Há apenas duas estradas,
Nesta encruzilha lê-se a placa:
Viver ou morrer.
Viver requer rever nossas ações
A partir do chão que piso, do solo que planto,
Do rio que pesco, ar que respiro.
Eu faço minha parte, tu faz a sua
A soma de tudo é colheita coletiva
Quanto mais cedo o dano é menor.
Do contrário, sucumbiremos feito poeira ao vento
Restarão apenas lembranças nos livros, arquivos
Daquilo que poderíamos ter sido,
Não fomos, pela maldade de alguns.
Ainda há tempo de concertar
O Criador deu nos inteligência, capacidade
De tudo perceber, refletir e agir.
Neste sentido, cada indivíduo
Tem seu fardo, sua tarefa a contribuir.
Começar a olhar seu semelhante como irmão
A terra como uma só casa
Dar aos seres a importância que merecem
Não somos nada sozinhos
Pelo estrada é preciso do amparo, afago do outro.
Fortalecer as relações humanas
Enterrar o ódio, violência, preconceito
Curar as feridas com o bálsamo da compreensão
Tolerância, respeito.
Talvez, seja apenas desejo, utopia
Mas se sonho e você também
De mãos braços dados,
Caminhando na mesma direção
Aos poucos torna-se realidade.
Pois, sonhos são nascentes
Brotando das profundezas do corpo, da mente
Superando barreiras, vencendo obstáculos
Até alcançar a grandeza de ser mar.
A vida é direito inalienável
Nosso mais precioso tesouro
Quem sabe um dia, futuro a frente
Alguém nossa história irá contar.
As lições foram dadas, expostas
Não há tempo a perder
Resta a mim a você escolher
A semente que queres plantar.
Acima de tudo, olhe para a terra
Olhe para o céu…sinta a perfeição!
Viver é dom Divino, puro milagre!
Dito o bastante…
Finalizemos o poema Vida-Esperança.