Um poema de Saul Cabral Gomes Júnior
Saul Cabral Gomes Júnior nasceu em Belém (PA), no dia 21 de maio de 1980. Graduou-se em Letras pela Universidade da Amazônia (2001). Em 1998, obteve o 4º lugar no Concurso Nacional de Contos “Cidade de Araçatuba”. A produção do ensaio O romance regionalista: do panorama ao perfil lhe valeu o prêmio “Carlos Nascimento”, concedido pela Academia Paraense de Letras em 2002. Dois anos depois, teve uma poesia classificada no VIII Prêmio Escriba de Poesia. Reside em São Paulo há dezenove anos.
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No caminho com Freire
I
O rosto do demônio já não parece tão feio.
Os reflexos no porão de Anne Frank, agora,
flutuam entre o descaso e o riso.
É preciso indignar-se contra a indignidade tacitamente aceita,
na qual se aceitam arbitrariedades como se fossem abraços.
Os novos patriotas desnudam um novo país,
onde todo humanismo é comunismo,
onde a profundidade do olhar se limita ao raso da Ideia.
É preciso bradar contra o estranho silêncio que impregna as avenidas,
entre risos desconfortáveis e um falso otimismo.
Os novos iluminados esbravejam a liberdade de expressão,
de exprimir a ignofilia;
vociferam a liberdade de ser repugnante,
de repugnar a liberdade do outro de ser quem ele é.
É preciso opor-se à marcha nítida do autoritarismo.
Os novos cidadãos inauguram a nova ordem,
que justifica a violência,
que banaliza os maus pensamentos,
que ratifica os pensamentos de Hannah Arendt.
É preciso perfurar a crosta da ordem reversa,
para alcançar as fontes cristalinas do Progresso.
Os cães-cérberos ladram
e a caravana, ao passar
e esperançar,
afugenta as sombras da nova ordem.
II
Meu rosto arde em febre e Esperança.
Chega um tempo em que não basta esperar.
É preciso esperançar!
É preciso esperançar os dias presentes,
alimentando a Esperança em transformações futuras.
Chega um tempo em que a única epifania almejada
é o Deus que se constrói no coração humano.
É preciso expandir as retinas
até vislumbrar o Amanhecer da alteridade.
Chega um tempo em que as utopias são realidades emergentes,
emergindo da mais perfeita alquimia criada pelos homens:
PalavrAção.
Os braços de meus irmãos me convocam à espera-ação:
é preciso tecer a aurora com mãos destemidas.
É preciso construir a mesma sublime morada
para abrigar a Humanidade:
TransformAção.
Há uma Vida culminante emanando dos atos políticos;
há um sol irresignável irrompendo dos gestos inadiáveis.
Entre destroços de distopias e a gênese do Humano,
a sombra apaziguadora do Mestre se avoluma
e filtra a maldade do mundo.
Nos jardins espessos da História,
que florescem no olhar freireano,
habita a Esperança… sempre a Esperança!