Um texto de Sheila Ozsvath
Sheila Ozsvath – Formada em publicidade, marketing e gestão cultural, trabalho em uma instituição de ensino, sou mãe e mulher com deficiência. Atualmente também estou mediadora de um clube de leitura. Nascida em Sampa sob o signo de Capricórnio, com ascendente em Câncer e Lua em Leão. Resido em Ribeirão Preto desde 2008. Sou apaixonada por ler e escrever, sempre com um olhar atento a referências capacitistas ou anticapacitistas e acredito na arte e cultura como meio de salvar a humanidade. Apesar de apresentar alguns textos em espetáculos artísticos e saraus, somente nos últimos meses alguns acontecimentos e pessoas me levaram a aceitar a escrita como minha arte e me motivaram a ter coragem de assumir publicamente a escrita.
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Um dia me perguntaram o que eu queria, o que eu esperava no amor.
Remoí a pergunta por dias, tentando entender porque daquele questionamento, o que sobre o amor eu não tinha aprendido ainda que merecia aquela provocação.
Um dia acordei sonolenta com o barulho do lixeiro, tentei mas não deu para alcançá-lo e então descobri a resposta. “quero alguém que ponha o lixo pra fora comigo”.
Há quem deseje beleza, inteligência, grana. Há quem acredite poder encontrar tudo isso numa única pessoa, muitas vezes sem oferecer na mesma medida. Mas eu não, eu quero antes de tudo alguém que coloque o lixo pra fora comigo, que decore os dias do lixeiro e acorde a tempo.
A chuva assusta, aumenta a preguiça. Porque o lixeiro passa tão cedo?
O lixo hoje tá pesado, mas se cada um carregar de um lado, logo ele terá sido colocado na calçada.
A felicidade de um feriado, ficar até tarde na cama, aninhados um no pescoço do outro e por fim alguém ouve o barulho do caminhão do lixeiro, um pula da cama e sai em disparada até o fim da rua com uma sacola tão pequena que há quem acredite ter sido possível deixar para outro dia. Mas só quem recolhe o lixo com você sabe que as embalagens pequenas podem conter os lixos mais infectantes.
Dias felizes exigem pés descalços, mas pés descalços exigem olhos atentos para restos do que se quebrou, perdidos nos vãos do taco de madeira, às vezes antigos demais para se saber, às vezes recentes demais para escapar. Parar diante do que se quebrou, confiar e colaborar na catança dos pedaços, cuidar para ninguém se ferir.
Quero um abraço reconfortante quando acordar e ver o lixo repleto de bigatos e começar a chorar. Alguns lixos mesmo depois de embalados podem trazer algumas consequências. Ninguém gosta de lidar com consequências, mas sempre é mais fácil depois de um abraço.
Eu preciso de alguém que separe o orgânico do reciclável, que entenda que nem tudo o que parece lixo é lixo, ou que algumas coisas precisam de reparo ou ao menos uma tentativa de recuperar antes de decretar seu fim.
A vida é muito mais difícil sem alguém que coloque o lixo pra fora com você.