Uma poesia de Jadson Rocha
Jadson Rocha, artista visual e poeta baiano-brasiliense. Produz objetos, instalações, poemas, intervenções e performances, que exploram questões como vazio, fragilidade, palavra, miudeza e cotidiano. Participou do programa de residência “together, separately”, oferecido por Cel del Nord (Oristà, Espanha) e das exposições coletivas “acervo rotativo”, na Oficina Cultural Oswald de Andrade (SP), “A margem do sonho”, no ColetivoRJ (RJ), “Diálogos distantes” e “Segundo Plano”, ambas na Galeria Tato (SP). Em 2021, apresentou a exposição individual “poeiras” pela Casa da Cultura da América Latina (DF). Seus poemas já foram publicados na Revista Aboio.
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vi emergirem os versos num domingo
entre 14:44 e 18:24 troquei mensagens com um cara do tinder
dois anos mais jovem
11km de distância segundo o aplicativo
antes eu hesitaria usar esses nomes tão contemporâneos e já gastos
besteira minha
quem sou eu pra dizer
o que cabe num poema
especialmente neste que não é só meu
transcrevo os versos modificando-os o mínimo
ele alinhando à esquerda e eu à direita
sigo a ordem estabelecida
comentários ao centro
qual a leitura de domingo
sob algum risco avisei no texto de perfil que gosto de pedalar por aí
de cinema e de boas leituras
leio vida desinteressante
na verdade, leio pela segunda vez
mas é a primeira em forma de livro
e fala de quê
são crônicas, falam de cotidiano e/ou de literatura
e o seu domingo
também desde a sua janela é possível ver a chuva
desde a minha janela uma cachoeira
eu ia mesmo era dormir
só estava esperando chover
mas fiquei preso admirando as águas
por aqui a chuva está passando
já quase posso reabrir as janelas
aqui também bem mais leve
meu celular descarrega e não tenho pressa
conseguiu dormir
pergunto enquanto invejo o cochilo no meio da tarde
ainda não tentei
mas é preciso aproveitar em nome de todos os dias
que não deu pra dormir com esse calor infernal
estava difícil dormir e viver no calor
por aqui já tão poucas gotas que não se pode dizer chuva
vou encerrar a transmissão meteorológica
espero que consiga dormir em nome dos dias quentes
depois volta para me contar
segue então uma conversa sobre filmes de terror
também sobre dormir com ou sem algo a cobrir o corpo
ele diz não temer o capeta a puxar-lhe o pé
ele me pergunta do que mais eu gosto
respondo e devolvo a pergunta
ouvir música à luz baixa
subir em árvore ou lugares altos para lá do alto observar
subia sempre no meu telhado à hora do pôr do sol
só não gosto de lugares com muito barulho
há assuntos simultâneos
lançamos e devolvemos mais de uma pergunta por vez
eu sou daqui não sendo
nasci na Bahia, centro-norte do estado, sertão
vim para cá aos 5 quase 6 anos
uma vida toda
o telhado com vista para o pôr do sol é o mesmo que te cobre agora
fica na casa dos meus avós
responde com o vocativo menino
estou tentando lembrar se alguma vez subi num telhado
quando foi a última vez
ele revela a vontade de subir no novo telhado
já o cobre há cinco anos
a vista tem promessa de ser bonita
de longe áreas verdes
de perto barulho
há muitas crianças no Mangueiral
uma pergunta de quem nunca esteve aí
há muitas mangueiras
dizem que antes sim
substituíram por casas
fiquei a pensar em casas como antônimo de pés de manga
qual seria a antirrelação com prédios de escritório
se limoeiros ou pés de caju
jamais amoreiras
chega a ser triste
uma pergunta besta agora
você gosta de mangas
amo
mas que preguiça descascar
descasca com os dentes enquanto chupa
o mal é que suja o bigode
basta lavar
importante é chupar com vontade
hoje logo de manhã fui ao mercado comprar uma manga
o cara do tinder ainda não veio