A passagem do poeta Pedro Casaldáliga – Por Marinete Luzia Francisca de Souza
Marinete Luzia Francisca de Souza é professora adjunta I na Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário do Médio Araguaia e no Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem, do Campus de Cuiabá. É licenciada em Letras – Português e Literaturas; mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Mato Grosso e doutora em Literaturas de Língua Portuguesa (investigação e ensino), pela Universidade de Coimbra. Publicou, em co-autoria, com Célia Maria Domingues da Rocha Reis, a obra Pedro Casaldáliga e a poética de emancipação, pela EDUFMT, em 2014.
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A passagem do poeta da poeta da esperança: Pedro Casaldáliga Plá
Ronda a morte rondeira,
a morte rondeira ronda.
Já o disse Cristo,
antes de Lorca.
Que me rondarás, morena,
vestida de medo e sombra.
Que te rondarei, morena, vestido de espera e glória.
Pedro Casaldáliga, In: Creio na Justiça e na Esperança, 1979, p. 244
A poesia transcende aos tempos e imortaliza o poeta. Autor de um significativo número de livros de poesia, 19, aproximadamente, Pedro Casaldáliga Plá fixa, em sua poesia, o presente (“Quero escrever a alma desta hora…” In: Antologia Retirante. 1978, p. 43), o histórico (“Estamos chegando do fundo da terra,/ estamos chegando do ventre da noite,/ da carne do açoite nós somos, /viemos lembrar”. In: Missa dos Quilombo, 1982) e o atemporal (“E o tempo é eternidade/E toda a rota é porto!” In: Creio na Justiça e na Esperança, 1979, p. 244). O tempo inscrito na obra de Casaldáliga é histórico e também transcendental. Há, nas palavras do poeta, uma entidade maior que rege o surgimento da natureza (em entrevista concedida em 2006): “Eu estou defendendo a casa, pela família que habita nessa casa. Não a casa pela casa. Eu não estou defendendo a casa arqueologicamente, eu a estou defendendo porque foi moradia de um povo, porque passou uma história humana por lá”. Essa dupla historicidade inscrita na obra de Casaldáliga imbrica também sua vida, que esteve fisicamente entre nós num determinado momento histórico e que permanece imaterialmente.
A obra de Casaldáliga é situada na história e também metaforiza o impacto que teve ao chegar ao Leste do Estado de Mato Grosso. A natureza comoveu o poeta e ele a alegoriza: “A beleza perfeita destas águas amigas;/a vida exuberante da floresta múltipla:/o sarã rasteiro chapinhando/,o alto louro moço,/a imbaúba – figueira de lapela virada,/o vermelhão estendido/e a taboca fiandeira/de filamentos amarelos e de lancetas verdes-claras” (In: Antologia Retirante. 1978, p. 43). O poeta metaforiza ainda mulheres e homens da região como é o caso da lida dos pequenos produtores indígenas, além de indicar causas, sendo a principal delas a oposição à concentração de terras nas mãos de alguns (o latifúndio e, como disse o poeta, agora agronegócio) e o direito ao trabalho ligado à tradição camponesa do cerrado: “Y en el paño de Lino que Lo encubre, duerme, blanca sin nombre todavia, la promessa de um pueblo redimido…” (“Dios em la farinheira”, In: Tierra Nuestra, Libertad., 1974, p. 44).
Elemento bastante presente na obra de Casaldáliga, a esperança marcou sua passagem. Ele a fez num momento em que os povos indígenas pedem socorro e que o pantanal arde em chamas. A notícia de sua partida reacende a discussão sobre tais acontecimentos e temas! Reanima a utopia! Simboliza sua simbiose com os subalternos e a natureza! E nos falta soltar o brado “Viva a esperança” (In: Trovas ao Cristo Libertado). Casaldáliga, o (prof)eta/poeta da esperança, eterniza suas trovas e junta-se, agora, a imortais que homenageou: San Juan de la Cruz, Rainer Maria Rilke, Lorca…