“Caos-Totem” de Milton Rosendo: uma resenha de Gustavo Matte
Gustavo Matte (Chapecó/SC) é escritor e crítico literário. Coordena e produz conteúdo para o blog https://entrevistaacena.wordpress.com/ . Publicou, em 2017, o romance Demo Via, Let’s Go! e o ensaio literário Menos Tropical e Mais Tropicalista. Nuvem Colona (Caiaponte, 2019) é seu livro mais recente.
Milton Rosendo nasceu em Maceió, em 1974. É doutor em Estudos Literários pela Universidade Federal de Alagoas. Já publicou os seguintes livros: Os Moinhos (Edufal, 2009), Caos-Totem (Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2016) e participou da coletânea Amores Ébrios (Trajes Lunares, 2017). Em breve, trará a público o volume de traduções Não Pertence a.
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🔥 : uma resenha sobre Caos-Totem, de Milton Rosendo
Ontem, sem querer e de última hora, saracoteando sem rumo, acabei numa festa estranha e cheia de gente esquisita: apartamento térreo no fosso dos prédios, televisor ligado em estática num banheiro rubro, noite vermelha no fundo da noite. Regras da casa: todas as lâmpadas eram vermelhas; regras da casa: drinques vermelhos; regras da casa: roupas, apenas se fossem vermelhas.
Numa rodinha, conversas cruzadas, amigo novo: deixou as Alagoas para fazer doutorado em artes no sul. “Que coincidência”, eu disse, “pois agorinha mesmo terminei o livro de um poeta lá da tua terra que me deixou com a cuca FUN-DI-DA”!
– Quem, o Milton? Claro que conheço! É o dono da literatura em Maceió!
🤔
Que mundo pequeno!
Fique dito que conheci o tal livro porque o autor, Milton Rosendo, está excursionando pelo Brasil ao lado do meu amigo e também dono da literatura (em Santa Catarina) Marcelo Labes, pelo programa Arte da Palavra, do Sesc. Tem uns dois ou três meses que o Marcelo me entregou um exemplar. Ficou ali quietinho na estante, tranquilo, desafetado, me olhando com desaforo – com uma confiança de livro que pára em pé por conta e não precisa da aprovação de ninguém. Na semana passada, eu sentei para ler.
SENTEI – mais ou menos isso. O que eu fiz foi que me atirei deitado na cama – domingão, cérebro vacilando, tal e tal. De repente, aí sim, me dei conta que estava sentado – sentado mesmo, com a espinha ereta e o olhão arregalado, uma corrente elétrica que até meu cabelo sentou.
Depois, na beirada da cama, um pé no chão e o outro… não sei o que eu fiz com o outro.
Sei que daí levantei.
E andei pelo quarto em círculos, o livro na mão, gesticulando, dizendo os versos bem alto. Suando.
Terminei e tive que ler outra vez.
Eu sei que isso aí ☝ não parece coisa nenhuma, mas eu quero – e vou – chamar de RESENHA porque falar do meu corpo reagindo aos seus versos foi o que melhor me ocorreu para comentar o valor de CAOS-TOTEM, o livro do Milton Rosendo publicado em 2016 pela Imprensa Oficial Graciliano Ramos, lá em Maceió. Numa moda bem Rimbaudiana, arrancando algumas páginas hediondas de seu caderno de condenado, o Milton proporciona uma jornada delirante por uma espécie de inferno elétrico onde os estímulos sensoriais são confusos, sinestésicos – e contundentes. É uma paulada que não dá pra saber de onde vem. Fiquei em pé foi pra não cair (?).
Vidente, pois o poeta se faz vidente por meio do desregramento de todos os sentidos, esgota em si os venenos para ficar com as quintessências. Praticou muito bem a alquimia que Rimbaud ensinou sobre o verso – um pouco mais garimpeiro, porém, em busca de resíduos mais sólidos. O que o Milton quer é a Jóia. Então, caminha na lama da indiferenciação dos sentidos e acaba ficando indiferente aos perigos. Dá até um frio na espinha, uma vontade de gritar: PARE! Cuidado, rapaz! Porque eu já atravessei um mangue cheio de jacarés em Floripa e sei bem do que estou falando.
Estou falando de Milton e de Rimbaud, mas impossível não pensar em Dante; falo de Dante, mas impossível não pensar em Gullar; Gullar, impossível não Roberto Piva. Sobretudo Roberto Piva: é o Virgílio da jornada Rosendiana pelas “matemáticas abissais do Sonho” in saecula saeculorum. Então lá vai ele, Milton, poeta desencontrado numa selva escura, Roberto Piva ao seu lado apontando o caminho. A dupla ignora os avisos: lasciate ogni speranza, voi ch’entrate! Vão para baixo buscar a beleza que a gente costuma apontar olhando pra cima. Ele diz:
“seria a Beleza esse empenho em desventrar o inexato?”
Ele diz:
“canto a desinvenção do Homem”
Ele diz:
“a tempestade é a morada do poema”
Ele diz:
“a Beleza sempre danifica as mãos de quem a cultiva”
(Tendo cometido os pecados todos, dos nove círculos infernais responde Rimbaud: “uma noite, sentei a Beleza em meus joelhos, achei-a amarga e a injuriei”)
Milton, não. Esse não amargura a beleza. A sua é mais convulsiva, como em Breton.
Os versos do cara são RIFFS DE GUITARRA!
É isso: quando eu tinha 12 anos, um colega de escola me passou um embrulho escondido por debaixo da mesa. Cochichou: “curte isso”, como se fosse um pacote de droga. Era uma fita k7 e, naquela tarde, em casa, pela primeira vez o Black Sabbath me lacrou nas paredes.
ELECTRIC FUNERAL: Milton Rosendo = Tony Iommi dos versos.
Rindo até polir nossas náuseas, dança ruiva de uns cabelos vermelhos realçando a alegria do vento, presenteando-nos com A COISA MAIS IMPORTANTE DE TODAS: o intervalo entre o olho e a flor.
Deus do céu! Que livro!
Vou chorar… Que livro, meu Deus!
ELECTRIC FUNERAL PYRE: atirem sobre meu féretro as flores, atirem-me os versos do Milton… Cubram-me com um “mundo se retorcendo até que cheguemos à palavra FLOR”
GUSTAVO
🤘