Pausa para o chá – Por Hugo Lorenzetti Neto
Na coluna mensal “Jerônima” (clique aqui para acessar todos os textos da coluna), a bonita Hugo Lorenzetti Neto nos traz – no melhor estilo eu-miss-desejo-a-paz-mundial – traduções de autoras e autores de diversas línguas e partes do globo. Diplomacia com plissado rosê. Regras: 1) cada coluna é um baile temática, os textos traduzidos têm um tema em comum; 2) uma espécie de ensaio inédito do colunista amarra sempre as traduções. A coluna irá ao ar sempre na última quinta-feira do mês.
Hugo Lorenzetti Neto é diplomata e tradutor, e atuou quase toda sua carreira, de 2006 até o momento, na área cultural do Itamaraty. Atualmente lotado no escritório do Ministério em Recife, oferece oficinas de escrita e realiza clubes de leitura, além de divulgar poesia em seu projeto O Caderno Rosa (@ocadernorosa, no Instagram).
***
Pausa para o chá
Estava escrevendo sobre a inveja, escolhendo textos para traduzir, quando parei para tomar um chá. Então esta pausa para o chá vai ser o tema da Jerônima agora. Porque, né, parece que Tea Party nos EUA está acabando, e, descontado o PSB, que não conta mesmo, a vereança de minha Campinas natal está mais esquerdista que a daqui do Recife. O sea. Pode ser que a gente esteja começando a escalar o buraco que foi se cavando de 2013 em diante. Vamos fazer uma pausa. Would you care for some tea?
Nota: eu posso ou não estar sob efeito enquanto traduzo. Pensa. Pode render ensaio uma coisa dessas, debater os sentidos tradutórios e
Estamos falando de chá.
The Hatter was the first to break the silence. “What day of the month is it?” he said, turning to Alice: he had taken his watch out of his pocket, and was looking at it uneasily, shaking it every now and then, and holding it to his ear.
Alice considered a little, and then said “The fourth.”
“Two days wrong!” sighed the Hatter. “I told you butter wouldn’t suit the works!” he added looking angrily at the March Hare.
“It was the best butter,” the March Hare meekly replied.
“Yes, but some crumbs must have got in as well,” the Hatter grumbled: “you shouldn’t have put it in with the bread-knife.”
The March Hare took the watch and looked at it gloomily: then he dipped it into his cup of tea, and looked at it again: but he could think of nothing better to say than his first remark, “It was the best butter, you know.”
Alice had been looking over his shoulder with some curiosity. “What a funny watch!” she remarked. “It tells the day of the month, and doesn’t tell what o’clock it is!”
“Why should it?” muttered the Hatter. “Does your watch tell you what year it is?”
“Of course not,” Alice replied very readily: “but that’s because it stays the same year for such a long time together.”
“Which is just the case with mine,” said the Hatter.
Alice felt dreadfully puzzled. The Hatter’s remark seemed to have no sort of meaning in it, and yet it was certainly English. “I don’t quite understand you,” she said, as politely as she could.
“The Dormouse is asleep again,” said the Hatter, and he poured a little hot tea upon its nose.
The Dormouse shook its head impatiently, and said, without opening its eyes, “Of course, of course; just what I was going to remark myself.”
“Have you guessed the riddle yet?” the Hatter said, turning to Alice again.
“No, I give it up,” Alice replied: “what’s the answer?”
“I haven’t the slightest idea,” said the Hatter.
“Nor I,” said the March Hare.
Alice sighed wearily. “I think you might do something better with the time,” she said, “than waste it in asking riddles that have no answers.”
“If you knew Time as well as I do,” said the Hatter, “you wouldn’t talk about wasting it. It’s him.”
“I don’t know what you mean,” said Alice.
“Of course you don’t!” the Hatter said, tossing his head contemptuously. “I dare say you never even spoke to Time!”
“Perhaps not,” Alice cautiously replied: “but I know I have to beat time when I learn music.”
“Ah! that accounts for it,” said the Hatter. “He won’t stand beating. Now, if you only kept on good terms with him, he’d do almost anything you liked with the clock. For instance, suppose it were nine o’clock in the morning, just time to begin lessons: you’d only have to whisper a hint to Time, and round goes the clock in a twinkling! Half-past one, time for dinner!”
(“I only wish it was,” the March Hare said to itself in a whisper.)
“That would be grand, certainly,” said Alice thoughtfully: “but then—I shouldn’t be hungry for it, you know.”
“Not at first, perhaps,” said the Hatter: “but you could keep it to half-past one as long as you liked.”
“Is that the way you manage?” Alice asked.
The Hatter shook his head mournfully. “Not I!” he replied. “We quarrelled last March—just before he went mad, you know—” (pointing with his tea spoon at the March Hare,) “—it was at the great concert given by the Queen of Hearts, and I had to sing
‘Twinkle, twinkle, little bat!
How I wonder what you’re at!’
You know the song, perhaps?”
“I’ve heard something like it,” said Alice.
“It goes on, you know,” the Hatter continued, “in this way:—
‘Up above the world you fly,
Like a tea-tray in the sky.
Twinkle, twinkle—’”
Here the Dormouse shook itself, and began singing in its sleep “Twinkle, twinkle, twinkle, twinkle—” and went on so long that they had to pinch it to make it stop.
“Well, I’d hardly finished the first verse,” said the Hatter, “when the Queen jumped up and bawled out, ‘He’s murdering the time! Off with his head!’”
“How dreadfully savage!” exclaimed Alice.
“And ever since that,” the Hatter went on in a mournful tone, “he won’t do a thing I ask! It’s always six o’clock now.”
A bright idea came into Alice’s head. “Is that the reason so many tea-things are put out here?” she asked.
“Yes, that’s it,” said the Hatter with a sigh: “it’s always tea-time, and we’ve no time to wash the things between whiles.”
“Then you keep moving round, I suppose?” said Alice.
“Exactly so,” said the Hatter: “as the things get used up.”
“But what happens when you come to the beginning again?” Alice ventured to ask.
“Suppose we change the subject,” the March Hare interrupted, yawning. “I’m getting tired of this. I vote the young lady tells us a story.”
O Chapeleiro foi o primeiro a quebrar o silêncio. “Que dia do mês é hoje?” disse, para Alice: havia tirado seu relógio do bolso, e olhava para ele incomodado, sacudindo-o de vez em quando, aproximando-o do ouvido.
Alice pensou um pouco, e depois disse “Dia quatro”.
“Errado por dois dias!”, suspirou o Chapeleiro. “Eu te disse que manteiga não servia para esse trabalho!”, agregou olhando raivoso para a Lebre de Março.
“Era a melhor manteiga,” respondeu murchinha a Lebre de Março.
“Sim, mas algumas migalhas devem ter entrado”, resmungou o Chapeleiro: “você não devia ter enfiado com a faca de pão”.
A Lebre de Março pegou o relógio e olhou melancólica: e depois o mergulhou em sua xícara de chá, e olhou de novo: mas não conseguia pensar em nada melhor para dizer do que havia dito em seu primeiro comentário, “Era a melhor manteiga, viu.”
Alice espiava por cima do ombro da Lebre de Março, curiosa. “Que relógio engraçado!” comentou. “Mostra o dia do mês, mas não a hora!”
“Por que mostraria?” murmurou o Chapeleiro. “Teu relógio mostra que ano é?”
“Claro que não,” respondeu Alice prontamente: “mas é porque ele diz o mesmo ano por muito tempo de cada vez.”
“É exatamente esse o caso do meu,” disse o Chapeleiro.
Alice sentiu-se terrivelmente confusa. O comentário do Chapeleiro parecia sem significado mas era, com Certeza em inglês. “Não entendi você muito bem,” disse, com toda educação possível.
“O Camundongo dormiu de novo,” disse o Chapeleiro, e derramou um pouco de chá quente no nariz do bicho.
O Camundongo sacudiu a cabeça impaciente, e disse, sem abrir os olhos, “Claro, claro, era justamente o que eu ia comentar.”
“Você já adivinhou a charada?” o Chapeleiro disse, para Alice de novo.
“Não, eu desisto,” Alice respondeu: “qual a resposta?”
“Não faço ideia,” disse o Chapeleiro.
“Nem eu,” disse a Lebre de Março.
Alice suspirou exausta. “Acho que vocês deviam empregar melhor o tempo,” disse, “que gastar uma coisa preciosa assim, com charadas sem respostas.”
“Se você conhecesse o Tempo como eu,” disse o Chapeleiro, “não o chamaria de coisa. É uma pessoa.”
“Não sei o que você quer dizer,” disse Alice.
“Claro que não!” disse o Chapeleiro, sacudindo a cabeça desdenhoso. “Aposto que você nunca falou com o Tempo!”
“Talvez não,” Alice respondeu cautelosa: “mas sei que tenho que dar no tempo quando estudo música.”
“Ah! isso explica tudo,” disse o Chapeleiro. “Ele não suporta que deem nele. Agora, se você fica de bem com ele, ele faz o que você quiser com o relógio. Por exemplo, imagine que são nove da manhã, bem a hora da aula: basta dar um pista ao Tempo, e lá vai o relógio num piscar de olhos! Uma e meia, hora do almoço!”
(“Queria que fosse,” A Lebre de Março sussurrou a si mesma.)
“Seria chique,” disse Alice pensando muito: “mas então—eu não estaria com dome, né.”
“Não no princípio, talvez,” disse o Chapeleiro: “mas você poderia deixar a hora lá em uma e meia pelo tempo que quisesse.”
“É assim que você se arranja?” Alice perguntou.
O Chapeleiro sacudiu a cabeça com tristeza. “Eu não!” he replied. “Brigamos março passado—logo antes que ele surtasse, né—” (apontou com a colher de chá para a Lebre de Março,) “—foi no grande concerto oferecido pela Rainha de Copas, e eu tinha que cantar
‘Brilha brilha, morceguinho!
Onde estás escondidinho!’
Você conheça essa canção, talvez?”
“Ouvi algo parecido,” disse Alice.
“Ela segue, né,” o Chapeleiro continuou, “assim:—
‘Voa pra lá e pra cá
Como uma bandeja de chá
Brilha, brilha—’”
Então o Camundongo se sacudiu e começou a cantar enquanto dormia the Dormouse shook itself, and began singing in its sleep “Brilha, brilha, brilha, brilha—” and went on so long that eles tiveram que dar um beliscão nele para que ele parasse.
“Bem, eu sequer terminei o primeiro verso,” disse o Chapeleiro, “quando a Rainha saltou e berrou, ‘Ele está assassinando o Tempo! Cortem-lhe a cabeça!’”
“Que bolsonarismo!” exclamou Alice.
“E desde então,” o Chapeleiro seguiu com voz de enterro, “ele não faz nada que eu peça a ele! É sempre seis da tarde agora.”
Uma ideia brilhante surgiu na cabeça de Alice. “É por isso que está cheio de coisas para o chá aqui fora?” perguntou.
“Sim, é por isso,” disse o Chapeleiro num suspiro: “sempre hora do chá, e não temos para lavar a louça nos entretantos.”
“Por isso vão dando a volta ne mesa, imagino?” disse Alice.
“Precisamente,” disse o Chapeleiro: “quando as coisas se exaurem.”
“Mas o que acontece quando vocês voltam para o começo?” Alice se atreveu a perguntar.
“Melhor mudar de assunto,” a Lebre de Março interrompeu, bocejando. “Estou me cansando. Voto que a mocinha nos conte uma história.”
Não foi a escolha mais surpreendente, verdade, mas para que surpresa, se em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, o chá vem com essa repetição de tempo tão repetida quanto a nossa? E nem falo de pandemia. A pandemia piorou, talvez a procrastinação, a mudança de assunto quando se pergunta: e aí não tem mais louça, vocês tomam chá em xícaras sujas? Essa volta ao redor da mesa, do chá, é o que me faz escolher esse trecho para começar a coluna. Além do prazer enorme que é traduzir esse livro, todo o tipo de proposta (procure a piadinha com nosso momento e com o destino de catacrese que desejo a uma palavra de nosso tempo, por exemplo).
Achei por bem agilizar a leitura com predicados verbo-nominais em lugar de advérbios terminados em -mente. Porque não gosto do som deles, também, embora reconheça sua utilidade e sua dignidade de palavra. Também resolvi colocar “né” em lugar de “you know”, exceto por quando usei “viu”, que me pareceu mais desapontado para a fala da Lebre de Março repreendida por ter usado a melhor manteiga para tentar consertar o relógio. Mas o que mais gostei de fazer foi traduzir um dos poemas malucos de Carroll. Recomendo a experiência. Escolhi manter a rima e manter morcego e bandeja de chá, os símbolos centrais do poema original. Mas as escolhas aqui são infinitas.
E é bem engraçado: O Chapeleiro para mim tinha menos a cara da versão do desenho (eu sou velho e já era adulto quando Johnny Depp apareceu de chapéu e maquiagem criativa depois repetida à infelicidade em festas a fantasia pelo mundo). Ele tinha essa cara:
Come Together The Beatles
Here come old flat top He come grooving up slowly He got joo joo eyeball He one holy roller He got hair down to his knee Got to be a joker he just do what he please
He wear no shoe shine He got toe jam football He got monkey finger He shoot Coca-Cola He say “I know you, you know me” One thing I can tell you is you got to be free
Come together, right now, over me He bag production He got walrus gumboot He got Ono sideboard He one spinal cracker He got feet down below his knee Hold you in his armchair you can feel his disease
Come together, right now, over me
He roller coaster He got early warning He got muddy water He one mojo filter He say, “one and one and one is three” Got to be good looking ‘cause he’s so hard to see
Come together, right now, over me
|
Chega junto Os Beatles
Lá vem o cabelinho de boy Ele vem gingando devagar Ele tem olhos misteriosos Ele um rolê sagrado Ele tem os cabelos até os joelhos Tem que ser coringa ele só faz o que quer
Ele não engraxa os sapatos Ele tem pé de boleiro Ele tem dedo de macaco Ele dá uns tiros de Coca-Cola Ele diz “eu te conheço, você me conhece” Uma coisa que te digo é que você tem que ser livre
Chega junto, agora mesmo, cai em mim Ele empata a produção Ele é chapado na morsa Ele tem a Ono aparadora Ele um quebra-espinha Ele tem os pés abaixo dos joelhos Se te agarra na poltrona você sente sua doença
Chega junto, agora mesmo, cai em mim
Ele montanha russa Ele tem avisos prévios Ele tem água barrenta Ele uma pica doce Ele diz, “um mais um mais um são três” Tem que ser bonito porque ele é difícil de se ver
Chega junto. agora mesmo, cai em mim |
A música foi composta a pedido de Timothy Leary, um dos gurus entorpecidos dos anos 1960, para uso como jingle de campanha ao governo da Califórnia. Também por isso pensei nela. Chapação e eleição. A gente está precisando de Here comes the sun, certamente, e bem, São Paulo, aqui está a mensagem subliminar. Leary desistiu da canção e foi desistido da candidatura, porque acabou preso por porte de maconha. Que coisa: e este ano também uma porção de estados dos EUA liberou o uso da erva – Oregon liberou tudo, seguindo, aproximadamente, o modelo suíço. Seja como for, Lennon aproveitou a canção e escreveu, segundo teses de internet, uma estrofe sobre cada beatle. Vou deixar o editor decidir se o spoiler fica aqui. Pela ordem: Ringo, George, John e Paul.
A canção é quase um dos poemas de Lewis Carroll, e acho que vou incomodar mais que divertir comentando as opções de tradução. Fico só no comentário de “over me” como “cai em mim”: deixa de ser o advérbio de “come”, mas é curtinho e comunica esse cai em cima, e me parece sensual e engraçado.
E já que estamos tomando chá…
I took my pill at eleven. An hour and a half later, I was sitting in my study, looking intently at a small glass vase. The vase contained only three flowers – a full-blown Belle of Portugal rose, shell pink with a hint at every petal’s base of a hotter, flamier hue; a large magenta and cream-colored carnation; and, pale purple at the end of its broken stalk, the bold heraldic blossom of an iris. Fortuitous and provisional, the little nosegay broke all the rules of traditional good taste. At breakfast that morning I had been struck by the lively dissonance of its colors. But that was no longer the point. I was not looking now at an unusual flower arrangement. I was seeing what Adam had seen on the morning of his creation-the miracle, moment by moment, of naked existence.
“Is it agreeable?” somebody asked.
“Neither agreeable nor disagreeable,” I answered, “it just is.”
Istigkeit – wasn’t that the word Meister Eckhart liked to use? “Is-ness.” The Being of Platonic philosophy – except that Plato seems to have made the enormous, the grotesque mistake of separating Being from becoming and identifying it with the mathematical abstraction of the Idea. He could never, poor fellow, have seen a bunch of flowers shining with their own inner light and all but quivering under the pressure of the significance with which they were charged; could never have perceived that what rose and iris and carnation so intensely signified was nothing more, and nothing less, than what they were – a transience that was yet eternal life, a perpetual perishing that was at the same time pure Being, a bundle of minute, unique particulars in which, by some unspeakable and yet self-evident paradox, was to be seen the divine source of all existence.
Tomei minha pílula às onze. Uma hora e meia depois eu estava sentado no meu escritório observando concentradamente um pequeno vaso de vidro. O vaso continha três flores – uma rosa Bela Portuguesa desabrochada em tom nacarado, com vestígios de um tom mais quente, incandescente, na base de cada pétala; um cravo magenta e cor de creme grande; e, suspensa em lilás claro sobre seu pedúnculo quebrado, a inflorescência ousada e heráldica de uma íris. Fortuito e providencial, o pequeno ramalhete quebrava todas as regras de bom gosto tradicionais. No café da manhã daquele dia, fui atingido pela dissonância vivace de suas cores. Mas já não era esse o ponto. Eu não estava mais observando um arranjo floral incomum. Eu via o que Adão viu na manhã de sua criação – o milagre, momento a momento, de existência nua.
‘É agradável?’, alguém perguntou.
‘Nem agradável, nem desagradável’ respondi, ‘apenas é’.
Istigkeit – não era essa a palavra de que Meister Eckhart gostava tanto? Ser-ência . O Ser da filosofia platônica – sem o inconveniente do aparente enorme e grotesco engano de Platão ao separar o Ser do Tornar-se, e de identificar este ser com a abstração matemática da Idéia Ele nunca poderia, pobrezinho, ter visto um buquê de flores emanando sua própria luz interior e a fazer nada além de palpitar sob a pressão dos significados que se acumulam sobre ele; jamais poderia ter percebido que o significado tão intenso de uma rosa ou íris ou cravo não era mais, nem menos, do que eles eram – uma impermanência que era ao mesmo tempo vida eterna, um decaimento perpétuo que é ao mesmo tempo puro Ser, um punhado de particulares diminutos em que, por causa de um paradoxo inefável e ainda assim auto-evidente, seria possível vislumbrar a força divina de toda existência.
Esse me parece ser o grande momento de As portas da percepção, de Aldous Huxley: o momento em que a mescalina e Huxley chegam juntos ao ponto onde Ser e Tornar-se (ou Devir, mas não quis comprometer demais epistemologicamente a tradução, embora adore Deleuze e rolês semelhantes) se encontram. Eu não sei o que dizer aqui. Inclusive acho que para o bem do que o trecho que dizer, não cabe muita exegese.
E vamos encerrando o chá. Tem segundo turno domingo, e entre males menores e bons candidatos (eu acho Bruno Covas lamentável – vai que não está claro) há motivos para um chá. Talvez não muito para champanhe, mas para chá, certamente. Alguma flor se abre, parece. E encerro com uma tradução que fiz a partir de outra tradução para o inglês de um haicai de Matsuo Bashô. E nada digo depois, porque, além de chapada, sou misteriosa.
a monk sips morning tea,
it’s quiet,
the chrysanthemum’s flowering
Na manhã tranquila
Um monge bebe seu chá
Floresce o crisântemo