A semana da leitura mágica – Por Andri Carvão
O canal que mantenho no YouTube desde outubro de 2021, Poesia Nunca Mais, onde indico livros e compartilho algumas de minhas leituras, deu margem a que eu escrevesse minhas impressões de leituras como roteiros para a realização dos vídeos. A princípio em forma de tópicos, resolvi organizar os escritos de modo a que pudessem ser lidos em algum meio: blog, rede social, site etc. Com um texto sobre A semana da leitura mágica prosseguimos com a coluna “Traça de Livro: …impressões de leitura…”.
Vida longa à Ruído Manifesto e aos seus leitores!”.
Andri Carvão é formado em Letras pela Universidade de São Paulo, autor de Um sol para cada montanha, Poemas do golpe, Dança do fogo dança da chuva e O mundo gira até ficar jiraiya, dentre outros. Apresenta o canal no YouTube Poesia Nunca Mais e publica poemas quinzenalmente no site O Partisano.
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A semana da leitura mágica | Victor Hugo, Jacques Prévert, Marguerite Yourcenar, J. M. G. Le Clézio, José Saramago, F. Scott Fitzgerald e Pearl S. Buck
A semana da leitura mágica aconteceu entre 5 e 11 de outubro de 2022, em comemoração a um ano de existência do canal Poesia Nunca Mais. O projeto consistiu na leitura de um livro por dia durante sete dias, ou seja, na leitura de sete livros em uma semana. O critério adotado para a escolha dos livros foi que tivessem menos de 100 páginas.
Como minha companheira Lene Dantas topou participar da empreitada, li para ela em voz alta enquanto ela produzia seu artesanato. (Aproveitando a deixa, momento merchan: minha companheira divulga seu trabalho de costura criativa – bolsas e acessórios – em sua página no Instagram @lua__flor). Continuando: li em voz alta para ela um livro por dia durante uma semana, com exceção do último, o qual fizemos leitura silenciosa, pois o lemos durante o jantar. Alguns livros foram lidos em pouco mais de meia hora e outros em cerca de três horas.
Mas, afinal, o que motivou ou inspirou a ideia d’A semana da leitura mágica? – que pretendo tocar adiante todo mês de outubro quando o canal PN+ comemora primaveras.
Em 2004 foi lançado o livro O ano do pensamento mágico da escritora estadunidense Joan Didion, expoente do Novo Jornalismo Americano, juntamente com Norman Mailer (Os nus e os mortos), Tom Wolfe (A fogueira das vaidades), Hunter S. Thompson (Hell’s Angels), Truman Capote (A sangue frio), Ken Kesey (Um estranho no ninho), Janet Malcolm (A mulher calada), Gay Talese (A mulher do próximo), entre outros. Em O ano do pensamento mágico, Joan Didion narra em forma de romance-reportagem autobiográfico (não sei se se pode considerá-lo um romance de autoficção, tão em voga ultimamente), o seu processo de luto diante da perda do marido, o também escritor John Gregory Dunne (Confissões verdadeiras), vítima de enfarte fulminante e, na sequência, da filha Quintana Roo, portadora de uma doença rara.
Em 2012, outro livro também de luto chamado O ano da leitura mágica foi publicado pela leitora Nina Sankovitch com base na experiência de leitura de um livro por dia durante um ano, ou seja, 365 livros, justamente no ano de luto pela perda da irmã que passou por um processo doloroso de luta contra o câncer.
Baseado na leitura destes dois livros, surgiu a ideia d’A semana da leitura mágica. Claro que excluindo a motivação pelo luto, caso das duas autoras. A questão aqui teve relação apenas quanto ao desafio de se ler um livro por dia durante uma semana. Como pretendo reservar o mês de outubro para o projeto, caso eu tenha livros de até 100 páginas suficientes – ou coragem e incentivo suficientes – posso empreender o Mês da leitura mágica em outubro de 2023.
Mas por hora vamos ao que interessa:
05 de outubro de 2022, das 21h21 às 22h59 – Primeira leitura mágica: A lenda do belo Pecopin e da bela Bauldour | Victor Hugo
A história infanto-juvenil, única escrita pelo autor francês Victor Hugo (1802-1885) dedicada para esse público. Em carta a um amigo, que serve de prefácio a essa narrativa, o escritor diz ter redigido a história “aos pés da fortaleza de um castelo em ruínas”. O cavaleiro Pecopin, noivo da bela Bauldour, é afastado de seu amor por arte do Diabo, vivendo muitas aventuras enquanto sua amada o espera fiando no alto da torre do castelo por cem anos.
06 de outubro, das 21h13 às 22h03 – Segunda leitura mágica: Carta das ilhas andarilhas | Jacques Prévert
Em prosa poética com rimas internas entre frases surrealistas e estilo tão característico e livre do poeta francês Jacques Prévert (1900-1977) conta a história das ilhas andarilhas ou ilhas flutuantes que quando são avistadas por marinheiros em navios, somem do mapa em meio ao nevoeiro de modo que raramente são encontradas. Até o dia em que o general Tesoureiro aporta na Ilha Nadica de Nada, a mais próxima da costa, após a construção de uma imensa ponte.
07 de outubro, das 21h24 às 23h07 – Terceira leitura mágica: Conto azul e outros contos | Marguerite Yourcenar
No Conto azul, mercadores de várias origens singram os mares em um navio que parece à deriva e atracam em um porto onde são enfeitiçados por diversas mulheres, de modo que, intencionados em escravizá-las, são levados à perdição. Em A primeira noite, um casal viaja de trem para a noite de núpcias. Ela, jovem e pura, e ele, mais experiente. O pudor da jovem no hotel adia por algumas horas o grande momento, até a chegada de um telegrama para seu homem. Em Malefício, a bela Amanda, recém-casada com Humberto, está enferma. Depois de tentar de tudo, descobre-se que foi enfeitiçada. Que escrita linda, hein, sra. Yourcenar!
08 de outubro, das 22h59 às 23h45 – Quarta leitura mágica: Pawana | J. M. G. Le Clézio
Pawana na língua nattick dos índios nativos de Nantucket significa baleia, o maior mamífero dos mares. Em Pawana, temos uma versão redux do clássico Moby Dick de Herman Melville. Aqui, o jovem John de Nantucket e o capitão do navio Léonore, Charles Melville Scammon, contam sobre a rota de San Francisco a Punta Bunda, na Califórnia Mexicana para a caça à baleia no refúgio das baleias cinzentas, destino das fêmeas para parir seus filhotes. Rota também do baixo meretrício no porto mexicano onde os marinheiros cobiçam a prostituta mirim Araceli. O peixe-diabo, o rorqual, a baleia-franca, a baleia cinzenta. O esqueleto do navio abandonado na enseada, o esqueleto do cachalote usado como armação para uma tenda.
09 de outubro, das 22h10 às 22h52 – Quinta leitura mágica: O conto da ilha desconhecida | José Saramago
Um homem bate à porta do rei e é atendido pela mulher da limpeza . Ele diz que precisa falar com o rei. A mulher da limpeza passa o recado ao primeiro secretário que repassa ao segundo secretário numa corrente burocrática como na brincadeira do telefone sem fio até chegar aos ouvidos do rei. Quando finalmente é atendido por sua majestade, o homem solicita um barco. Após desentendimentos e toda a argumentação retórica do homem, seu desejo é atendido. O homem justifica a solicitação dizendo ao rei que precisa encontrar a ilha desconhecida. Não consegue a tripulação necessária para tocar o barco, porém a mulher da limpeza o segue e se torna a sua imediata. Inexperiente como homem do mar, a ilha desconhecida povoa seus sonhos.
10 de outubro, das 21h50 às (?) – Sexta leitura mágica: O curioso caso de Benjamin Button | F. Scott Fitzgerald
Conto de 50 páginas, quase uma novela, ou uma quase-novela, que originalmente foi publicada no livro Contos da era do jazz. Esta edição traz apenas o conto O curioso caso de Benjamin Button, talvez pela notoriedade atingida por conta da recente versão cinematográfica. Confesso que embora conhecesse a premissa da história de B. B., que nasce com a aparência de um senhor de 70 anos e com o passar do tempo vai rejuvenescendo até o estágio de um recém-nascido, fiquei surpreso com o poder da narrativa. Um conto surpreendente e inesquecível que arranca lágrimas e boas gargalhadas. Há uma diferença entre o final do filme e a narrativa original: a obra cinematográfica é mais explícita, enquanto no conto é preciso interpretação.
11 de outubro, das 23h30 às 00h00 – Sétima leitura mágica: A grande luta | Pearl S. Buck
O pai do jovem Ranjid, dono de um circo, vê a possibilidade de ganho através do aluguel do tigre Raj e do leopardo Meera para americanos, devido a uma produção cinematográfica em Madras, na Índia. Na cena protagonizada pelas feras em que deveria haver uma disputa sangrenta pela carne de um veado, ambos, o tigre e o leopardo, deixam a equipe de filmagem, bem como o dono do circo, frustrados. O dono do circo contava com o dinheiro do aluguel dos animais selvagens, investido pelos americanos, para a aquisição de novos animais para o circo.
Curiosa a coincidência temática das histórias de aventuras no mar, envolvendo ilhas, navios, marinheiros, mistérios. Mas entre motins e naufrágios, nos salvamos da ressaca literária.
Edições lidas:
HUGO, Victor, A lenda do belo Pecopin e da bela Bauldour, 80 p., adaptado por Ligia Cademartori, São Paulo: ed. Mercuryo Jovem, 2008.
PRÉVERT, Jacques, Carta das ilhas andarilhas, 64 p., adaptado por Laura Christina de Malimpensa, São Paulo: Editora 34, 2008.
YOURCENAR, Marguerite, Conto azul e outros contos, 64 p., tradução Joana Angélica D’Ávilla Melo, Rio de Janeiro: ed. Nova Fronteira, 2011.
LE CLÉZIO, Jean-Marie Gustave, Pawana, 64 p., tradução Leonardo Froes, São Paulo: ed. Cosac Naify, 2009.
SARAMAGO, José, O conto da ilha desconhecida, 64 p., São Paulo: ed. Companhia das Letras, 1998.
FITZGERALD, F. Scott, O curioso caso de Benjamin Button, 56 p., tradução Rodrigo Breunig, São Paulo: Coleção Folha Grandes Nomes da Literatura, v. 2, 2017.
BUCK, Pearl S., A grande luta, 56 p., tradução (?), São Paulo: ed. Nova Época, 1975.