Dez haicaístas brasileiros + uma tradução (seleção de Claudio Daniel e tradução de Oslei B. Jr.)
Dez haicaístas brasileiros
+ uma tradução
Claudio Daniel
O haicai (ou haiku), forma mais conhecida da poesia lírica japonesa, chegou ao Brasil a bordo do navio Kassato Maru, que aportou em São Paulo em 1908, junto com os primeiros imigrantes da Terra do Sol Nascente. Praticado inicialmente entre os colonos que vieram ao nosso país para trabalhar sobretudo na agricultura, logo surgiram jornais e revistas especializadas e grupos dedicados à essa modalidade poética, graças ao trabalho de divulgação de autores como Nenpuku Sato, que trouxe ao nosso país o haicai tradicional da escola de Shiki, que sistematizou o gênero como um terceto de 5-7-5 sílabas e temática sazonal, além de criar a palavra haiku (antes usava-se o termo hokku para designar o terceto que integrava um diário de viagem, uma pintura ou um poema coletivo, este último chamado renga no haicai). Nas primeiras décadas do século XX, o haicai chamaria a atenção de poetas brasileiros, como Guilherme de Almeida e Manuel Bandeira, da geração modernista (por via francesa, claro) e mais tarde, a partir da década de 1970, de poetas e escritores como Millôr Fernandes, Paulo Leminski e Alice Ruiz, e mais recentemente Ademir Assunção, Maurício Arruda Mendonça, Rodrigo Garcia Lopes, entre outros. Hoje, o haicai faz parte da literatura brasileira e inclui entre seus estudiosos e divulgadores o professor Paulo Francetti, da Unicamp. É importante mencionar também os relevantes ensaios e traduções de Haroldo de Campos, publicados nos livros A operação do texto e A arte no horizonte do provável. Nesta pequena antologia que organizei para a revista Ruído manifesto, incluí dez autores brasileiros recentes que vêm se destacando na arte de dizer o máximo com o mínimo, desenvolvendo timbres pessoais de maneira original e inventiva.
Banzai!
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MARIA MARTA NARDI
chuva de primavera
até borboletas
viram pétalas
quem consegue dormir
com a lua de outono
rondando a janela?
início das chuvas
perto da estação
vagalumes acendem as luzes.
Maria Marta Nardi nasceu em Marília (SP) e reside em Campo Grande (MS). Cursou Letras na Pontifícia Universidade Católica de Campinas e na Universidade de Marília). Publicou poemas no Livro da Tribo, Germina, The São Paulo Times, Literalivre,, Ser Mulher Arte e nas antologias Tanto céu sem mar, noite por dentro da ostra, “80 balas, 80 poemas, entre outras. Publicou a plaquete de haicais Sobre o caule de água pela Editora Leonella, em 2019.
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CLAUDIA GONZÁLEZ
volta às aulas –
aluno atento à geometria
da borboleta
branca a página
do caderno de haikus-
névoa da manhã
nova morada –
sogra leva consigo
flor de ipê rosa
Claudia González Slaviero. Natural de Flores da Cunha/RS, nascida a 07 de março de 1964, participou da publicação de Poeta Mostra a Tua Cara XX e Antologia Poesia do Brasil XXI, relacionados ao Proyecto Cultural Sur Brasil do Congresso Brasileiro de Poesia, realizado em Bento Gonçalves.
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JOSÉ COUTO
a lágrima e o orvalho
névoas, simulacros
evanescente manhã
vulnerabilidade
a tristeza é pedra
água forjada na pupila
generalidade por ora
desamor: essa conta de medrar
amantes e amanheceres
José Couto (Porto Alegre/RS). Professor e poeta brasileiro. É o autor de A impermanência da escrita (2010), O soneto de Pandora (2017) O unicórnio do sul e outras lendas poéticas (2018). Sete cânticos negros e outros tantos orikis negros e índios (2022).
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NARA FONTES
na beira do lago
pernilongos esperam
pernas distraídas
geada no campo
o graxaim fareja
fêmeas no cio
na aldeia candanga
capivaras saúdam
primeiras cruvianas
Nara Fontes é natural do Rio Grande do Sul e mora em Brasília desde 2004. Integra o coletivo Celeiro Literário Brasiliense. Tem poemas publicados em antologias, jornais e revistas literárias. Prepara o lançamento de seu primeiro livro-solo de poesia.
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JORGE AMÂNCIO
guarda-sol amarelo
trovoadas azuis
folhas douradas
noite lua cheia
maquete do universo
morro prateado
neblina da manhã
estrelas prateadas
acorda favela
Jorge Amâncio é natural do Rio de Janeiro foi para Brasília em 1976. Quatro livros solos, Negrojorgen, Batom d’amor e morte, NÓSOURTXS e Haikus em preto e branco, com poemas publicados em revistas, jornais e participante de inúmeras antologias.
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SIDNEI OLÍVIO
folhas secas
que caem da videira
divertem os gatos
um gato dormita
sobre o tapete da sala –
noite de inverno.
julho vindouro –
na beira da estrada
a mata queima
Sidnei Olívio, natural de São José do Rio Preto, SP, é biólogo de formação e poeta por convicção. É autor dos livros “Zoopoesia”, 1999 (em coautoria); “Poesia Animal”, 2000 (em coautoria); “Mutações”, 2002 (em coautoria); “Concretos & Abstratos”, 2003; “O limite da razão”, 2011; “Uni-verso: a natureza da poesia e a poesia da natureza”, 2012; “A transgressão da palavra”, 2013; “As sete faces da cidade”, 2014; “O que desmanchamos em pedaços”, 2017; “A visão poética do abismo”, 2018; “Poesia Invertebral”, 2019 (e-book bilingue em coautoria); “Poesia é um lugar que não se revela”, 2021; “Tratado das Significações originais”, 2022; “signos de passagem”, 2023.
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YARA DARIN
Manhã de inverno
o orvalho pisca
um raio de sol
Noite de inverno
chocolate, cama, livro
quatro patas ao lado
O gato Nako
no telhado
namora a lua
Yara Darin, natural da cidade de Marília (SP), é poeta e publicou em revistas eletrônicas e antologias.
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ISA CORGOSINHO
sol a pino
seios bronzeados
abocanhados pela areia
sol espelho d’água na praça
homem nu
toca blues
noite estrelada
grandes pequenas pétalas
se abrem em sim
Isa Corgosinho é de Brasília/DF, professora universitária, aposentada, poeta, ensaísta. Participou de diversas antologias, entre elas Coletânea enluaradas I (2021); 1ª Coletânea Mulherio das Letras na Lua (2021); Coletânea Enluaradas II Uma Ciranda de Deusas (Selo Editorial/Sarasvati Editora, 2021); Poesia & Prosa (In-finita, Portugal, 2021); Livro Memórias da pele (Venas Abiertas – III – Mulherio das Letras, 2021); Coletânea Mulherio das Letras para ELAS, (Amare Editora, 2021.); Colectânea Mulherio das Letras Portugal (In-finita, Portugal, 2022), entre outras.
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ISADORA SALAZAR
ninhos de filhotes
gorjeiam à mãe
que perdeu o caminho
bambuzal asfaltado
caba sem casa
nuvem devora o sol
entre a escova e a torneira
aranha tece ovos
na casa da minha mãe
Isadora Salazar, nascida em Belém do Pará, é escritora. Publicou os romances Água de mortas, Editora Patuá, 2017, e Phantalassa ou Aconchego-me sobre metralhadoras, Mezanino Editorial, 2021. Publicou O mito de Horácia Bigbang – Série Lições de Continentes – Lumme e Polichinelo e Mezanino Editoras, 2021. Participou da Antologia Na grande noite arquitetada, Mezanino Editorial, 2022, entre outras obras. É formada em Direito, Música e Gestão de Eventos Culturais. É mãe de dois filh@s, quatro gatas, e uma vira-lata chamada Beibei; Isadora nasceu com outro sobrenome e, emancipada desde os 16 anos, costuma dizer que nasceu dos pés de jasmim da Ilha do Mosqueiro. Seu nome artístico é uma homenagem à sua avó materna, que a criou. É formada em Música, Direito e Gestão Cultural.
Links: https://linktr.ee/isadorasalazar.
Sites: isadorasalazar.com.br e bicudaocriativo.com.br
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ANA RODRIGUES
inverno iluminado
tarde azul se despede
noite traz o frio
inverno chuvoso
pegadas frias na rua
tapete molhado
crocância marrom
outono
folhas espalhadas
Ana Rodrigues é professora por vocação, autista/ diagnóstico tardio, TDHA/ passiva, mãe amorosa, vó de gatinhos. #60. Busco nos poemas a voz que sempre se escondeu no mutismo irrestrito.
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PS.: após a apresentação destes dez poetas, o organizador da antologia não resistiu e incluiu também três haikus de sua autoria:
CLAUDIO DANIEL
mulher de pescador
limpa o peixe
para fazer moqueca
caminho de pedras
homens carregam
cestos de lagostas
muro de pedras
crianças nadam
nas águas do rio
Claudio Daniel é poeta, romancista e professor de literatura. Nasceu em 1962, na cidade de São Paulo (SP). Cursou o mestrado e o doutorado em Literatura Portuguesa na Universidade de São Paulo (USP). Realizou o pós-doutoramento em Teoria Literária pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi diretor adjunto da Casa das Rosas, Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, curador de Literatura no Centro Cultural São Paulo e colunista da revista CULT. Atualmente, Claudio Daniel é editor da revista eletrônica de poesia e artes Zunái e ministra aulas online de criação literária no Laboratório de Criação Poética, curso realizado à distância, via internet.
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+ 1 tradução:
Enfim como um espectro.
Finalmente romperei
os campos solares.
Tradução: Oslei B. Jr.
Domingos pellegrini
QUERO enviar livro de haicais a claudio daniel e a ruído manifesto.
Solicito endereços.
Grato!