No meio da multidão – Por Hugo Lorenzetti Neto
Na coluna mensal “Jerônima” (clique aqui para acessar todos os textos da coluna), a bonita Hugo Lorenzetti Neto nos traz – no melhor estilo eu-miss-desejo-a-paz-mundial – traduções de autoras e autores de diversas línguas e partes do globo. Diplomacia com plissado rosê. Regras: 1) cada coluna é um baile temática, os textos traduzidos têm um tema em comum; 2) uma espécie de ensaio inédito do colunista amarra sempre as traduções. A coluna irá ao ar sempre na última quinta-feira do mês.
Hugo Lorenzetti Neto é diplomata e tradutor, e atuou quase toda sua carreira, de 2006 até o momento, na área cultural do Itamaraty. Atualmente lotado no escritório do Ministério em Recife, oferece oficinas de escrita e realiza clubes de leitura, além de divulgar poesia em seu projeto O Caderno Rosa (@ocadernorosa, no Instagram).
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No meio da multidão
para Carlos Mello Carvalho
É Carnaval. Faz quase cinco anos que estou separado de meu ainda legalmente marido, o artista (excelente, por favor conheçam seu trabalho) Carlos Mello Carvalho – eu deixei de segui-lo temporariamente no Instagram mas está tudo lá no @carlosmellocarvalho. É Carnaval e ele posta fotos diárias de seu novo namorado – um que ele namora há algum tempo, mas de cuja existência soube recentemente, mesmo a gente se falando várias vezes na semana, e mesmo ele tendo um pequeno e muito contido, mas muito claro episódio de ciúmes quando do meu romance de seis dias com Alexandre Corbillón na Islândia – coisa que virou artigo aqui na Jerônima – num momento em que ele já levava uns cinco meses namorando esse mesmo novo rapaz, que nem tão rapaz é.
Aqui também tem fofoca e quando ela é sobre mim, eu mesmo a começo.
Estragou meu Carnaval? Não. Estou escrevendo antes de ir para Olinda na segunda-feira, para garantir que não pulo mais uma coluna – a anterior eu pulei porque contei mal os dias. Estava com Carlos na Cidade do Cabo, e foi muito divertido. A vida é mais complicada do que a gente sonha aos cinco anos de idade. Para bem e para mal.
Somos todos adultos e estamos todos em nossos direitos. Ele, de namorar e postar fotos nos stories. Eu – personagem do ensaio “A origem do drama barroco alemão” (eu sei que não tem personagem, que é um ensaio, but then again, a vida é mais complicada do que a gente sonha aos cinco anos de idade) – de me enfurecer comigo mesmo, que fiquei sei lá, esperando algum Godot nessa relação na minha cabeça e sabotei toda chance de namorar que tive até agora. É muito difícil ser interessante como o Carlos – ou como eu. Boa sorte para o novo dele. E eu? Se você se atrever eu te queimo, porque sou feito de lava.
Escrevi um poema ontem. “para o próximo namorado” é seu título. Não cheguei a uma versão final ainda. Está charmosamente manuscrito (literalmente) numa foto no meu perfil @ocadernorosa, que temporariamente não segue o de Carlos.
Então eu escolhi um da Christina Rossetti, justamente porque ela é chique, fina, não muito barroca nem vulcânica. É um poema que dança em torno da morte. Todo namoro é morte – morre-se um pouco sempre. Se namorar não é uma espécie de suicídio, é certamente um movimento do medo de morrer. Ou como eu disse no poema, versos que não pretendo mudar mais
– namorados são objetos de transição entre
o café da manhã e o inferno –
então serve para falar de amor e fins – sobretudo fins a que o próprio amor sobrevive. Então, Carlos, excusáme por la bulla. Eu espero que você seja feliz – não importa quem seja o sucessor, esse ou o sucessor dele ou ainda o outro sucessor – se namorar for uma coisa que você quer. E que você saiba terminar a tempo, coisa que nenhum de nós soube fazer na nossa vez. E que possa esquecer e lembrar, lembrar para esquecer, esquecer e lembrar ao mesmo tempo. Esta tradução de Christina Rossetti é pra você, Carlos; desta vez não fiz pra você, pessoa que me lê, a menos que você seja ele. Alguma vez, pessoa que me lê, essa traição tinha de acontecer, e está a acontecer agora, no Carnaval.
Única nota tradutória: resolvi ignorar as rimas e misturar tu e você. Porque sim, porque eu falo assim, porque está doendo, porque serei mais refinado no mês que vem.
Remember
Remember me when I am gone away,
Gone far away into the silent land;
When you can no more hold me by the hand,
Nor I half turn to go yet turning stay.
Remember me when no more day by day
You tell me of our future that you plann’d:
Only remember me; you understand
It will be late to counsel then or pray.
Yet if you should forget me for a while
And afterwards remember, do not grieve:
For if the darkness and corruption leave
A vestige of the thoughts that once I had,
Better by far you should forget and smile
Than that you should remember and be sad.
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Lembre-se
Lembre-se de mim quando eu houver partido,
Partido para longe terra silenciosa adentro
Quando não poderás mais segurar minha mão,
Nem eu me virar para partir ou me voltar para ficar.
Lembre-se de mim quando não mais no dia a dia
Você me falar do nosso futuro que planejou:
Apenas lembre-se de mim; você compreende
Vai ser tarde para aconselhar ou suplicar.
Ainda se me esqueceres um pouco
E depois me lembrares, não lamentes:
Pois se o escuro e o corrompido partem
Um vestígio dos pensamentos que uma vez pensei,
Melhor, muito melhor que você esqueça e sorria
Do que você se lembrar e ficar triste.