Revoadas juninas – Escritas em Revoada
“Ai, Xangô, Xangô menino
Da fogueira de São João
Quero ser sempre o menino, Xangô
Da fogueira de São João
Céu de estrela sem destino
De beleza sem razão”
(Gilberto Gil e Caetano Veloso)
Movidas pela mistura perfumada e quente das cores, os sons, os sabores, o arrastar dos pés em cadência, as vozes bailando livres no balançar das bandeirolas, essas nossas escritas em revoadas deixam-se guiar pela magia dos festejos juninos que invade o Nordeste, nessa época do ano e, de modo especial, povoa nossas memórias mais preciosas atravessando, inevitavelmente, nossos sentidos e escritas.
Além de comporem nossa essência, enquanto mulheres semiáridas que se deixam sacudir pela energia do pandeiro, do triângulo e da sanfona, atiçando brasas da fogueira maior, a “festa de São João” que também é de Xangô, Santo Antônio, São Pedro e de tantas Marias, é patrimônio cultural e momento de grande importância econômica para as mulheres que dedicam-se à alquimia de produzir as delícias dos licores, doces, bolos, o colorido das roupas, os caminhos das tranças, a magia dos artesanatos, entre outros produtos da nossa cultura. Elas rendem-se ao mistério das misturas e com elas produzem renda.
O calor das brasas que crepitam, dos corpos que se sacodem no ritmo do xote, xaxado e baião também atiça as memórias, os desejos e as palavras que vão se desenhando em versos, aboios, quadrinhas, cantigas, cordéis… escritas de si e dos seu povo, feitas “com suas línguas de fogo” como nos escreveu Glória Anzaldúa[i] e inscritas na tradição de festejar os santos na mais pagã e ancestral das fogueiras. As mulheres semiáridas sabem que, assim como os ventos que sopram as chamas e trazem friagens de longe, a cultura também se move e vai se transformando, assim como as chitas que viram saias, balões, bandeirolas, mas sem se afastarem por inteiro dos traços singulares que constroem suas tramas.
Assim é o São João, essa panela de barro fumengante de mungunzá, temperada até com especiarias vindas de outros chãos e culturas, mas firmada na singularidade de fazer girar a voz, o canto, os movimentos, cores e sabores produzidos por um povo continuamente estigmatizado. É essa festa do fogo e da partilha de afetos e guloseimas, onde corpos e memórias se movem no resfolegar poético da sanfona.
É nesse balançar que partilhamos nossos versos juninos com você que nos acompanha nessa revoada:
Guardar nas brasas
Asas
De uma nova
Fogueira
[Ádila Madança]
Colunistas:
Pók Ribeiro
Ádila Madança
SertãoSol
- [i] Trecho do texto “Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo” de autoria de Glória Anzaldúa escritora, poeta e teórica cultural, chicana das fronteiras, mulher lésbica e ativista.
- Foto: Mariana Guimarães, poeta uauaense.