“Esconde-Esconde” (2016) – Por Juçara Naccioli
Esconde-Esconde. Direção: Don Felipe e Luciana Bollina. País de Origem: Brasil, 2016.
Esconde-esconde, de Luiz Felipe Mendes (Don Felipe), é uma obra que se apresenta como um trabalho estético de construção narrativa poética, contando com o olhar atento de Luciana Bollina, que divide a direção geral com Don e assina com primor direção de fotografia e edição. Esconde-esconde chega com o objetivo de instigar reflexões acerca do assassinato de um jovem negro e também sobre as estatísticas de violência e extermínio contra a população negra do nosso país.
O curta experimental tem início com a figura de um menino negro, que, de dentro da sua casa, observa, por trás das grades da janela, o morro onde mora. Essa primeira cena chama a atenção pelo posicionamento do jovem entre a câmera e as grades, remetendo-nos à ideia de aprisionamento, ou, ainda, da brincadeira que dá nome à obra, quando relaciona negro/esconderijo/medo, dessa maneira a cena provoca outras possibilidades de leituras e relações as quais sugere esse tema. Nesse primeiro momento, uma pergunta reverbera sobre as informações que foram destinadas ao espectador acerca desse cenário inicial: Qual o nosso esconderijo mais seguro? Ainda nessa cena, chama-nos a atenção o foco da câmera em quatro entrecruzamentos de planos que seguem sequencialmente entre o menino, a planta comigo-ninguém-pode, a grade e, por último, a favela. Sobre essa perspectiva do (des)focar de imagens que constantemente aparece nas cenas de Esconde-esconde, podemos pensar na possível leitura acerca do querer e não querer ver a realidade social a que muitos estão sujeitos.
O processo imagético-sonoro do curta experimental se desdobra no cenário de uma favela, na rotina de seus moradores e no encorajamento que se faz necessário para sair de casa todas as manhãs. A contagem progressiva feita pelo personagem do ator Tom Mendes enfatiza e toma por impulso essa ruptura entre o ‘cativeiro’ do lar e a ‘liberdade’ das ruas, dualidade à qual as famílias estão sujeitas. O plano detalhe se faz presente na maior parte das cenas do curta experimental, sendo propositor de inúmeras leituras, ora mostrando a alegria por meio das brincadeiras de criança, ora nos devaneios da personagem ou no medo expresso em seu olhar.
Diante da realidade esboçada de maneira sufocante, quando a direção usa como personagem principal uma criança, é inevitável que o espectador não se sinta impactado frente ao que está sendo mostrado, já que a suscetibilidade da criança negra é comum na sociedade.
Sobre a trilha sonora que compõe o fundo musical transita entre uma música suave que denotaria a leveza da infância sequenciada do repique de instrumentos africanos, cristalizando, por meio da sonoridade ancestral, a alegria das brincadeiras de criança e o terceiro momento quando traz um música mais grave e densa para mostrar o suspense que se delineia na última cena.
A narrativa poética descreve em rimas aquele que deveria ser um dia normal na vida de uma criança dentro da favela. Porém, dentre todas as brincadeiras ditas corriqueiras na coleção de infância uma se destaca por ser a escolhida para aquele dia atípico. Na última cena, a direção de fotografia destaca apenas as cores da roupa, branca e vermelha, do menino, enquanto toda a imagem cênica se torna escura. Sobre essa perspectiva, podemos fazer uma leitura que nos possibilita lembrar da luta pela paz tão pedida pelo povo negro em contraposição ao sangue derramado todos os dias.
* Texto escrito a partir da programação (mostra competitiva) da 3ª Mostra de Cinema Negro de Mato Grosso, em Cuiabá (MT), ocorrida no período de 09 a 11 de novembro de 2018.
** Juçara Naccioli é graduada em Letras – Literatura (1999), especialista em Teoria e Prática da Língua Portuguesa (2005), ambos pela Universidade Federal de Mato Grosso. Atriz oriunda do grupo de teatro Pessoal do Ânima, artecriadora, membro do Coletivo Parágrafo Cerrado, professora. Atua em momentos (im)previstos como debulhadora de sentimentos e tecelã de versos e prosas. Proprietária do caderno brochura no qual deixa florescer poemas permeados de sensibilidades do Espírito e audácias da carne: Desengasgo da alma.