Literatura e autoria feminina: Entrevista com Rita Queiroz – Serra Literária
Em dezembro, nos dias 08 a 11, ocorreu a I Festa Literária de Itaetê – FLITÊ. Festa que buscou fomentar a literatura na Chapada Diamantina e também enseja promover encontros culturais, ampliando e democratizando o acesso à apreciação e ao debate em torno de obras e manifestações artísticas. A FLITÊ inaugura sua trajetória com o tema Etnicidade e Diversidade, homenageando a escritora Carolina Maria de Jesus, autora do clássico brasileiro “Quarto de Despejo”.
Na sexta-feira, 09/12, ocorreu às 11h horas da tarde, na Casa domus litterarum, a roda de conversa “Literatura e autoria feminina”, que contou com a participação das escritoras Elane Nardotto, Érica Azevedo, Rita Queiroz, e Josimeire Santos Brazil.
Na coluna “Serra Literária” a colunista Nina Maria conversou um pouco com a escritoras Rita Queiroz acerca da literatura e autoria feminina na Bahia e no Brasil.
Quem é Rita Queiroz?
Natural de Salvador-BA. Tem pós-doutorado em Estudo de Linguagens. Doutorado em Filologia e Língua Portuguesa. Mestrado em Letras e Linguística. Professora universitária. Pesquisadora. Escritora. Poeta. Como pesquisadora e professora universitária, conta com 96 artigos, 14 livros, 50 capítulos de livros publicados e 18 homenagens feitas por aluno(a)s (paraninfa, patronesse, amiga da turma, professora homenageada). Como escritora e poeta, conta com os seguintes livros: 8 de poemas, 1 autobiográfico, 1 de contos e 7 infantojuvenis. Organizadora de 15 coletâneas. Coautora em mais de 150 coletâneas. Publicações em diversas revistas literárias nacionais e internacionais. Integra os coletivos: Confraria Poética Feminina, Mulherio das Letras, Confraria Ciranda Poetrix, Mulheres Maravilhosas e Enluaradas. Membro de 9 instituições literário-culturais. Prêmios: 2022 – Destaque Literário na Categoria Ensino e Pesquisa pela Focus Brasil New York/AILB; 1º Lugar no Concurso Nacional de Poesia da Academia de Letras, Ciência e Artes de Ponte Nova-ALEPON (MG); 4º lugar no Prêmio “Escreve-me” em homenagem a Florbela Espanca; Menção honrosa no Prêmio Off Flip; Hors Concours no Prêmio Voo Livre de Literatura; 2021 – Menção honrosa no VI Festival de Poesia de Lisboa; Destaque Literário na Categoria Poesia pela Focus Brasil New York/AILB; Grand Prix Femme Littéraire – categoria Pesquisa – e Prix Valkyrie pelo Institut Cultive Suisse-Brésil; Mérito Poético pelo Projeto Poetizar o Mundo; Autor Destaque pelo Projeto Antologias Brasil.
Nina Maria pergunta a Rita Queiroz – Quem é Rita Queiroz? Poeticamente, quais são os detalhes mais intrínsecos acerca da Rita escritora e professora?
RQ: Rita Queiroz é uma mulher sonhadora, batalhadora e que se descobre a cada dia. Como professora, centrei minha atuação no nível superior, desenvolvendo pesquisas na área da Filologia, trabalhando com a edição crítica e o estudo do vocabulário de autores baianos do século XX, como Arthur de Salles e Jorge Amado; bem como analisando autos de defloramento do início do século XX, os quais são documentos jurídicos que tratam sobre o desvirginamento de meninas menores de 21 anos. Com essa documentação, verifiquei a questão da violência contra as mulheres e a objetificação de seus corpos. Como poeta, tenho produzido textos sobre diversos temas, mas especialmente sobre a questão da mulher, buscando a sua representatividade na sociedade machista e misógina.
NM – Quando você se descobriu escritora? O que motivou e despertou esse ofício?
RQ: Creio que sempre fui escritora desde que me alfabetizei. Sempre gostei muito de ler e escrever. Mas me reconhecer como escritora de literatura é algo recente. Venho de uma carreira acadêmica na área dos estudos linguísticos e filológicos, o que sempre demandou a escrita de textos científicos. Isso me preenchia e ainda me preenche, mas a escrita literária, a qual propicia devaneios (o que não podia na escrita acadêmica), me deixa muito feliz. Pude alçar outros voos. Essa escrita, no entanto, ficou adormecida durante muito tempo, tendo sido despertada a partir de um rompimento amoroso. Passei a publicar no facebook e muitas pessoas fizeram comentários positivos, o que me permitiu seguir. Com isso, criei um grupo para analisar a produção literária feminina, a Confraria Poética Feminina, o qual fez deslanchar a minha escrita. Isso aconteceu em 2015. Daí em diante não parei, produzindo coletâneas com a Confraria e também livros solos.
NM – Quais são as principais características e influências da poética de Rita Queiroz?
RQ: É difícil falar sobre isso. Algumas pessoas me dizem que meus textos lembram Cecília Meireles, autora por quem tenho fascinação. Quando comecei a postar meus textos nas redes sociais, a característica predominante era a melancolia. Extravasava toda a minha tristeza na escrita. Depois isso foi mudando. Passei a escrever textos eróticos, infantojuvenis e com temáticas variadas. Hoje escrevo sobre tudo, mas a questão feminina se destaca. Meu eu lírico é feminino, é a voz feminina gritando para o mundo. Em virtude disso, minhas influências são Gilka Machado, Florbela Espanca, Adélia Prado, Érica Azevedo, Conceição Evaristo, dentre tantas outras escritoras fantásticas.
NM – Sabemos que o espaço literário desde os primórdios é organizado e dominado pela presença masculina. No entanto, nós escritoras, ainda que à margem, sempre estivemos presentes e sendo resistência, criando e fazendo não só a literatura feminina, mas a literatura universal. Quais foram os impasses que você encontrou no caminho literário ante ao machismo que também perpassa o cenário da escrita?
RQ: Acho que comecei a publicar em um momento muito propício para as mulheres, embora o cenário ainda seja favorável aos homens. Mas estamos rompendo com isso, haja vista a criação de grupos de mulheres para a escrita e para a leitura, como Mulherio das Letras e Leia Mulheres. Além disso, grandes prêmios da Literatura, como o Jabuti, têm sido vencidos por escritoras. Diante disso, estamos mostrando a nossa força literária. Ainda precisamos ocupar mais espaços, como nas Academias de Letras. Mas estamos chegando lá.
NM – Celebrar aquelas que nos antecederam é preciso. Qual a importância de participar de uma festa literária cuja homenageada é uma mulher negra como Carolina Maria de Jesus, que marcou e continua marcando e enfrentando o cânone literário?
RQ: Sim, devemos celebrar aquelas que nos antecederam e que enfrentaram muito mais preconceitos e barreiras de toda ordem. Carolina Maria de Jesus é uma escritora admirável por tudo o que representa: mulher, negra, favelada. Carolina Maria de Jesus fez da escrita a sua arma e o seu alento, sendo exemplo para todas nós.
NM – Falando e celebrando a escrita feminina, bem como a Carolina, você se lembra quando leu Carolina pela primeira vez? Quais as principais impressões sobre essa escrita tão marcante? E qual a influência que Carolina Maria de Jesus exerce na sua vida literária e de escrita, bem como profissional, enquanto professora, e pessoal, como mulher de luta?
RQ: Li Quarto de despejo há uns 30 anos. Na época era professora de literatura brasileira no Ensino Médio. Li e fiz meus alunos e minhas alunas lerem. Fiquei impactada com o texto. Senti ali toda a potência dessa mulher que fazia da escrita o seu levante. Carolina nos ensina que podemos tudo, que a escrita é uma arma com a qual podemos vencer o medo, as vicissitudes, a falta de amor e que a fome é um produto do capitalismo.
NM – Rita, em sua fala na Roda de conversa Literatura e autoria feminina na I Festa Literária de Itaetê, você enfatizou bastante o surgimento de coletivos voltados para a escrita feminina e o feminismo para além da literatura. Por que e como nos unirmos mais, principalmente na escrita, enquanto coletivos? Outro ponto que me chamou atenção foi o seu conhecimento sobre grupos femininos de escrita, quais são os grupos que mais te chamam atenção e quais você pode nos apresentar para nos engajarmos na luta?
RQ: Os coletivos de autoria feminina reforçam nosso engajamento na luta e na lida. Uma mulher puxa a outra e nenhuma larga a mão. Estarmos irmanadas nesses coletivos nos fazem mais fortes e encorajadas a seguir escrevendo. E é esse o propósito dos coletivos. Como mencionei anteriormente, criei a Confraria Poética Feminina em 2015, desde então temos atuado nessa frente, de uma trazer a outra, de não deixar a peteca cair. Nos incentivamos mutuamente, fortalecendo-nos enquanto escritoras. Já participamos enquanto coletivo de diversas coletâneas e feiras e festas literárias, como a Flip, a Fligê, a Flica, a Flise e agora a Flitê (Feira Literária de Itaeté). Além da Confraria, muitas de nós integram o Mulherio das Letras, seja em âmbito regional, nacional ou internacional (Mulherio Portugal, Estados Unidos, Europa, Espanha, dentre outros). Outros coletivos surgiram, na Bahia ou no Brasil, podendo citar o “Movimento Exploesia”, “Ecoa Mulheres”, “Mulheres Maravilhosas”, “Enluaradas”, etc. Recentemente escrevi um artigo sobre esses coletivos, o qual está publicado no livro Um brinde à literatura feminina, organizado por Ana Angélica Ferrazi, Danielle Monteiro e Geovana Rios.
NM – Como você bem pontuou, é necessário nos unirmos enquanto coletivo para a perpetuação da atuação feminina nos demais segmentos da sociedade, principalmente da literatura. Rita, tanto você como Érica e Josy fazem parte da Confraria Poética Feminina ao lado de outras escritoras importantes do cenário literário baiano. Quando você se viu na necessidade de se organizar enquanto coletivo? Dentro do coletivo, abarca-se a pluralidade feminina? E quais as conquistas e os avanços a serem feitos enquanto coletivo para perpetuação da literatura de autoria feminina?
RQ: Vi a necessidade de organizar um coletivo quando entendi que ainda somos minoria no cenário literário, mesmo com todas as conquistas que tivemos. Uma pesquisa de Regina Dalcastagné, professora da UnB, aponta que a cena literária ainda é dominada por homens héteros, brancos e que estão na região Sudeste. Nessa escala, as mulheres vêm depois, as negras depois ainda, isso dentro do contexto do Sudeste, pensando no Norte e Nordeste, ainda ficamos em escalas mais inferiores. Destarte, faz-se necessário que avancemos mais. Os coletivos de autoria feminina têm ajudado muito nessa causa, abarcando escritoras independentemente de sua etnia ou sexualidade. Mas ainda precisamos ir além, rompendo com todas as barreiras que ainda nos impõem.
NM – Qual a importância de difundir a literatura de autoria feminina dentro do Parque Nacional da Chapada Diamantina, num espaço como a FLITÊ? E qual a relevância e o porquê de participar em eventos literários?
RQ: Em 2018 a Confraria Poética Feminina teve uma participação efetiva na Feira Literária de Mucugê, a Fligê. Deste modo, a nossa literatura foi difundida de forma exemplar. Mucugê também integra o Parque Nacional da Chapada Diamantina. Sendo assim, vejo que as curadorias dessas feiras e festas literárias sempre abrem espaços para a literatura de autoria feminina, não só para integrantes de coletivos, mas também para aquelas que não fazem parte desses grupos. Isso é um avanço. A Flitê, tendo como homenageada a escritora Carolina Maria de Jesus não poderia faltar a esse compromisso, haja vista a presença de tantas outras escritoras nesse evento. Participar dessas feiras e festas é abrir o leque, é mostrar o quanto produzimos e o quanto fazemos isso de maneira brilhante.
NM – Como nós, os leitores, podemos contribuir para a perpetuação e a disseminação da literatura de autoria feminina, principalmente, no que tange a Bahia, um solo fértil e sagrado de tantas potências femininas?
RQ: Leitores e leitoras podem contribuir lendo as escritoras, tanto as contemporâneas quanto as que nos antecederam. Comprar nossos livros também é um grande incentivo.